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Pseudo-misticismo modernista

Agosto 10, 2018 escrito por admin

Um padre nos escreve:

 

“Senhor Diretor,

 

"Obrigado, obrigado por sua defesa da verdade católica, obrigado por seus artigos documentados e precisos. Mas, se posso me permitir uma sugestão, porque não lança um olhar mais atento às numerosas publicações "religiosas" que, atrás do biombo do decreto da Congregação pela Doutrina da Fé, confirmado pelo Papa Paulo VI, não são mais submissas ao imprimatur e publicam o que querem? 1 Por exemplo, o que se deve pensar de certas publicações das Edizioni Dehoniane de Roma, que publicam livros como La vrai vie de Dieu de Vassula Ryden, páginas pretensamente escritas "sob o ditado de Jesus"? Ela é comparada a Santa Francisca Romana; "ela comunga tanto entre os católicos como entre os ortodoxos ou anglicanos" (segundo René Laurentin). Que podemos pensar das numerosas "mensagens" de Jesus, de Nossa Senhora, etc...? das profecias sobre o próximo fim do mundo (é assim que se explica o terceiro segredo de Fátima)? E o senhor conhece L´avenir avant l´an 2000 de Jean Stiegler (Edizioni Segno)? Aí encontramos Medjugorje, dom Gobbi e outros "místicos". O que devemos pensar? Como devemos acolher tais publicações, que alguns fiéis submetem a nosso julgamento..."

 

Carta assinada.

 

Caro amigo,

 

Em tempos normais nossa resposta teria sido breve e concisa: os filhos da igreja devem seguir o exemplo de sua santa Madre Igreja, que não exclui as pretensas revelações privadas, mas pede garantias para estar certa de que não se trata de ilusões privadas ou, ainda pior, de imposturas humanas ou de enganações diabólicas. A primeira garantia é que estas "revelações" estejam em harmonia com a Revelação de que a Igreja é depositária há dois mil anos.

São João da Cruz escreve: "Tão grande é a importância de nos servirmos da razão e doutrina evangélica que, mesmo no caso de recebermos algo por via sobrenatural  queiramos ou não  só devemos admiti-lo quando é conforme à razão e aos ensinamentos do Evangelhos" (A Subida do monte Carmelo, 1.2 c. 21 n. 4; ver também em Si Si No No, ed. francesa, de agosto de 1990: Brouillards du révélationnisme et lumière de la foi, pelo padre Calmel O.P.).

E, com esta regra fundamental, se faria justiça à imensa maioria das "revelações" atuais. Mas o atual pululamento de fenômenos pseudo-místicos é tão estreitamente ligado à crise neo-modernista que atormenta a Igreja, que se torne necessária uma explanação muito mais vasta.

 

Raízes protestantes

A Igreja Católica ensina de modo infalível que a fé é essencialmente um assentimento sobrenatural da inteligência à verdade revelada por Deus (Vaticano I, Dz. 1789). Certo, a inteligência é levada a este assentimento sob a ação da graça; certo, esse assentimento é acompanhado de humildade, de confiança, de abandono (o ato de fé não é um frio julgamento científico), mas o ato de fé é antes de tudo e essencialmente um ato da inteligência, a adesão do espírito a uma verdade, obscura em seus "porque" e no "como" e, no entanto, muito certa, porque revelada por Deus, que não se engana nem pode nos enganar.

O protestantismo, ao contrário, realizou uma verdadeira revolução coperniana: o ato de fé, para Lutero, não é um ato de conhecimento ou intelectual (a razão seria, em matéria de religião, inteiramente cega e a Igreja católica teria errado em lhe dar confiança demais), mas um simples ato efetivo ou emocional; não mais a adesão a todas as verdades reveladas (fé dogmática), mas simples sentimento de bem estar espiritual, confiança de ser perdoado e salvo. A revolução coperniana de Lutero achou sua sistematização filosófica no kantismo, que desvaloriza a razão (agnosticismo) e recorre à vontade ou "razão prática" para dar um fundamento à religião.

 

A revolução modernista

O modernismo hoje e o neomodernismo marcham sobre os traços do protestantismo ou do kantismo, mesmo se à oposição kantiana entre "razão pura" (inteligência) e "razão prática" (vontade) eles preferem a oposição entre razão e sentimento: "para os modernistas, escreve São Pio X, a revelação divina não pode ser crível por sinais exteriores, e [...] é somente pela experiência individual ou pela inspiração privada que os homens são movidos à fé" (Pascendi).

De fato, para o modernista, contrariamente às definições infalíveis do Concílio dogmático Vaticano I (De Fide, can. 3 e De Revel. can. 1), o homem não pode saber com a razão se Deus existe realmente nem se interveio realmente na história do gênero humano com uma Revelação exterior. E, no entanto, o modernista não faz profissão de ateísmo. Ao contrário, ele se declara fiel: Deus  afirma  existe realmente e tenho certeza. E de onde pode tirar tal certeza? Não da razão, não da Revelação divina, mas de sua "experiência religiosa". É esta experiência individual, subjetiva, interior, esta "intuição do coração" que, sozinha, para os modernistas, torna o homem certo da existência de Deus: aquele que não "sente" Deus em si não pode achá-lo em outro lugar; somente o sentimento e a experiência religiosa, manifestando Deus ao homem, fazem do homem um "crente" (ver São Pio X, Pascendi). De onde pode deduzir-se que toda atividade do modernista é voltada a fazer e a promover a "experiência" do divino, porque para ele e contra o Concílio dogmático Vaticano I, os homens devem ser levados à fé somente "pela experiência individual ou pela inspiração privada" (Conf. Pascendi e Vaticano I, De Fide can. 3). 

Ora, é verdade que a experiência religiosa, entendida como caminho da fé, traz maior luz e mais calor às verdades da fé, mas também é certo que a vida de fé nasce das verdades da fé e que sem verdades de fé não há vida de fé autêntica, porque neste domínio, igualmente, o conhecimento deve guiar e esclarecer a vontade, a sensibilidade e toda experiência do divino, seja ela qual for. Uma vez posta a doutrina de lado, nada assegura mais ao homem que ele não seja vítima de uma ilusão (ou de uma enganação diabólica) quando segue um convite ou uma atração interior. A pretensão de um contato sensível e imediato com o divino constitui arrogância culpável e é este o abismo pelo qual o falso misticismo se precipita nas ilusões, nas enganações diabólicas, e freqüentemente na lama. Quando esta procura de experiências místicas, mesmo extraordinárias, é acompanhada da recusa, mesmo tácita, da doutrina católica, o abandono da parte de Deus ao "espírito de vertigem" (Is 19, 4) é certo e as imposturas se multiplicam.

 

Desordem doutrinal

Antes de falar nisso é necessário lançar um olhar na desordem doutrinal radical, que no modernismo nasce da exaltação da "experiência religiosa"; desordem que não poupa nenhuma das verdades católicas fundamentais. O pseudo-misticismo, de fato, é somente a ponta de um iceberg diabólico no caminho da Igreja católica.

, já vimos, não é mais (no Modernismo) um assentimento sobrenatural do espírito à Revelação divina, mas um ato emocional muito natural. A Revelação não é mais um fato histórico, exterior ao fiel, fato que se fechou com a morte do último Apóstolo e que veio a nós pela tradição escrita e oral; mas é um fato atual, interior, destinado a renovar-se continuamente em cada indivíduo e para cada geração, é a tomada de consciência pelo homem de sua "experiência" do divino. A própria religião cristã só é o fruto da experiência do divino, realizada na consciência de Cristo, "homem de natureza excelente como nunca se viu nem nunca se verá" (mas somente homem), experiência destinada a se renovar em seus discípulos. Pode-se, entretanto, até se admitir uma "experiência religiosa" análoga igualmente em Maomé, Buda e todos os outros iniciadores de grandes religiões. Além do mais, pode-se admitir em Cristo um grau mais elevado de experiência e de consciência religiosa, mas do mesmo modo que se fala da revelação cristã, assim se pode e se deve falar (como hoje de fato se fala) de uma "revelação" maometana, budista, etc. etc. Isto resulta na abolição de toda diferença entre religião natural e religião sobrenatural revelada, entre verdadeira e falsas religiões: de um lado a religião cristão "do homem Cristo", não menos que nos outros fundadores de religiões positivas, é um "fruto inteiramente espontâneo da natureza" (naturalismo) e, de outro lado, todas as religiões são boas e reveladas por Deus (ecumenismo). Uma vez descartados os motivos da credibilidade do Cristianismo e toda referência doutrinal sólida, e posto no lugar este fundamento de "experiência religiosa— escrevia São Pio X —  "a doutrina da experiência juntamente com a outra do simbolismo, consagra como verdadeira toda religião, sem excetuar a religião pagã. Não encontramos experiências deste gênero em todas as religiões? Muitos o dizem. Ora, com qual direito os modernistas negariam a verdade às experiências religiosas que se fazem, por exemplo, na religião mahometana? E em virtude de que princípio atribuiriam eles, somente aos católicos, o monopólio das experiências verdadeiras? Eles se protegem bem dessas perguntas: uns escondidos, outros abertamente, tomam por verdadeiras todas as religiões" (Pascendi).

Tradição, portanto, não é mais a transmissão das verdades reveladas por Deus mas, sim, a transmissão de "experiências religiosas", que devem suscitar novas experiências (Tradição "viva"). A própria Sagrada Escritura, no antigo e novo Testamento, é somente um produto e uma colheita de "experiências religiosas", e a inspiração não é nada mais do que um impulso que expressa estas experiências.

dogma, enfim, é somente a formulação intelectual, segundo as concepções filosóficas dominantes, de uma experiência religiosa que, contudo, assim como toda experiência, fica individual e incomunicável. Os dogmas, então, não fixam de um modo estável uma verdade revelada, mas são a formulação provisória e sempre imprópria da experiência religiosa. Eles não têm valor cognitivo, mas somente prático. Por exemplo, quando me dizem que Deus me julgará, querem dizer somente: "Comporta-te como se Deus te fosse julgar". Se em seguida Deus me julgará realmente, é um fato que não sabemos e que nunca saberemos (agnosticismo). Um dogma é "verdadeiro" enquanto demonstre ser apto para alimentar a piedade ou a suscitar novas emoções religiosas; se não for mais útil para isto, será "falso" e deverá então ser mudado (evolucionismo dogmático).

Assim, tudo no modernismo é levado ao sentimento e à experiência religiosa e explicado em função destes elementos. A própria Apologética se reduz, para um modernista, a levar a incredulidade e a dúvida a "fazer a experiência" do Cristianismo.

 

A apostasia

Pelo caminho da "experiência religiosa" o modernismo chega também a uma "nova religião", que não é mais a religião fundada por Nosso Senhor Jesus Cristo. É uma verdadeira apostasia vestida de razões mais ou menos especiosas, particularmente de uma falsa "caridade", porque é privada de seu fundamento que é a fé: a caridade "ecumênica".

 

Sob os véus de uma "mística" enganosa

O repúdio a uma verdade objetiva e imutável (que por si permite julgar pretensas "revelações") associada à procura de "experiências religiosas" mesmo extraordinárias (coisa que é severamente proibida pela verdadeira mística), faz do modernismo, como já fez do protestantismo, o terreno de cultura mais propício para ilusões místicas, fruto da fantasia e do sentimento, por imposturas humanas e mesmo por enganações diabólicas. São João da Cruz escreve: "O demônio se alegra muito quando uma alma facilmente admite revelações, e quando ele a vê inclinada a isto, porque então ele tem numerosas ocasiões e modos de insinuar erros e de derrogar a fé no que lhe é possível" (Subida do Monte Carmelo I, II c. X n. 10).

É um fato (explique quem puder...) que quase todos os "místicos" e os "carismáticos" atuais, sob o véu do convite à oração, ao jejum, etc, etc. (o demônio, como se sabe, está disposto a "perder um pouco para ganhar muito") difundem os dois erros mais perniciosos do modernismo: o indiferentismo religioso e o ecumenismo.

Tomemos o exemplo de Vassula Ryden, a quem nosso amigo leitor fez alusão. Tiramos nossas informações de Medjugorge - espírito e verdade, março de 1992 (pode-se notar que Vassula Ryden e Medjugorje se fazem publicidade recíproca).

Vassula, a "santa Francisca Romana de nosso tempo" (somente porque ela tem marido e filhos), não é nem mesmo católica, mas ortodoxa, e dá a volta ao mundo para pregar aos católicos, em nome do católico "Sagrado Coração" a... "caridade sem fé" dos modernistas (São Pio X). "A chave da unidade — diz ela — é o amor e a humildade [...] Muitos padres ortodoxos gregos pensam que a unidade virá quando os católicos se converterem para se tornarem ortodoxos gregos e muitos católicos pensam o inverso. Bem, as duas partes estão erradas" (pág. 82). "Então, tudo estará no nível do coração?" pergunta o jornalista. Resposta: "exatamente" (pág. 83). E então, afirma Vassula, não há "nenhuma razão para me fazer católica" (pág. 83), o que Jesus quer é "a unidade por meio do coração. A nova (sic!) Igreja que Ele quer unir é unida no coração" (ibid).

Evidentemente, o "Jesus" de Vassula pensa muito diferente do Jesus do Evangelho, que não quer unir nenhuma "nova Igreja", porque sua Igreja Ele já uniu, e não somente "no coração", mas na realidade, e isso há dois mil anos. Depois disso Ele a manteve unida até hoje, não obstante as defecções de numerosos batizados durante os séculos.

"Você nunca se perguntou — sugere a "mística" Vassula à seu entrevistador —  por que Jesus não escolheu um católico para transmitir esta mensagem, apesar de se apresentar como o Sagrado Coração? Ele quis tomar uma ortodoxa que não conhece nada. Ele a forma como quer em termos católicos, precisamente para mostrar que Ele não faz diferença. Sim, a unidade se fará no coração. A virgem disse isso também em Medjugorje" (ibid). Então "no domingo vou à Igreja ortodoxa... nos outros dias vou à católica. Não faço diferença... Jesus me guia e nunca fez objeções a este meu modo de agir." E assim, em nome de Jesus "místico", a "vidente" pretende fechar a boca daqueles que teriam ainda objeções a fazer em nome de Jesus do Evangelho. Não! Jesus — o verdadeiro —  não se contradiz. Não contradiz tampouco o que a sua Igreja ensina infalivelmente há dois mil anos. Na realidade, este "Jesus" de Vassula, sob alguns "termos católicos", leva a crer em uma doutrina não católica: a heresia do modernismo, que considera que todas as religiões são boas; faz que seja "deglutido" o indiferentismo religioso, a "unidade na diversidade" do protestante Cullmann e do cardeal Ratzinger (ver Sim Sim Não Não, julho de 1994, "Ratzinger, Prefeito ecumênico... pela "abolição" do papado...!?").

Esta "unidade no coração", sem unidade de fé, já foi condenada por Pio XI em Mortalium Animos e com palavras que podem parecer ter sido escritas para Vassula Ryden: "Estes "pan-cristãos", que procuram federar as Igrejas, parecem perseguir o nobilíssimo desejo de desenvolver a caridade entre todos os cristãos: mas como imaginar que este crescimento de caridade se faça em detrimento da fé? Ninguém ignora que o próprio São João, o Apóstolo da caridade, aquele que no seu Evangelho transmite de algum modo os segredos do Sagrado Coração de Jesus, aquele que não cessava de lembrar a seus fiéis o novo preceito: "Amai-vos uns aos outros" (1 Jo 4, 7-11), proibia de modo absoluto toda relação com aqueles que não professassem a doutrina de Cristo inteira e pura: "Se alguém vem a vós e não traz esta doutrina, não o receba em sua casa e nem mesmo o cumprimente" (2 Jo 10). (O Ecumenismo. Publicações Courrier de Rome, pág. 137).

Mas eis em nossos dias uma nova "apóstala da caridade", escolhida por Jesus entre os ortodoxos "precisamente para mostrar que Ele não faz diferença", que vem mostrar aos católicos que o Sagrado Coração de Jesus hoje... mudou de opinião e que pensa exatamente o contrário!

 

Um clero e uma hierarquia cúmplices

Que católico pode levar a sério tais "revelações"? As regras católicas para discernir se as pretensas "revelações" vêm de Deus ou de outras fontes (ilusão ou impostura do demônio) são claras: "Devemos considerar como falsa toda revelação privada oposta a uma verdade de fé" (A. Tanquerrey - Précis de théologie ascétique et mystique no. 1501 a). "Então, se [...] nos for revelada alguma coisa nova e diferente no domínio da fé, não devemos aceitar de modo nenhum, mesmo se estivermos certos que aquele que nos manifesta é um anjo do Céu. Assim afirma São Paulo... (Gl 1, 8)" (São João da Cruz - Subida do Monte Carmelo, livro 2, capítulo 27 número 3).

O que dizer então, se não se trata de um anjo que se afirma mensageiro do Céu, mas de uma ortodoxa que, não obstante seus contatos "místicos" com o "Sagrado Coração", proclama que quer ficar no cisma e na heresia.

E no entanto, constata-se (fato mais explicável!) que estes "místicos" e "carismáticos" encontram bom acolhimento pelos clérigos neomodernistas. Os Dehonianos (o falso da imprensa "católica" não conhece mais limites nem medidas), publicam os escritos de Vassula Ryden, enquanto que Laurentin, um dos mais nefastos teólogos do pós-concílio, que não crê na virgindade de Maria mas "crê" em Medjugorje, faz uma propaganda muito ativa da "mística" ecumênica Vassula 2. E Il Segno del soprannaturale (revista italiana que mistura ingenuamente revelações verdadeiras com outras falsas   para ser mais exato: mistura mais falsas do que verdadeiras) publicava há algum tempo a foto de Vassula Ryden recebida em audiência por... João Paulo II!

Aliás, sabe-se por muitas fontes que João Paulo II observa "com inquietude e alegria" os fatos de Mejugorje (cf. Mons. Hnilica em Il Segno del soprannaturale, maio de 1988; ver também Eco di Medjugorje no. 96, outubro de 1992, pág. 1). O cardeal Ratzinger, por sua vez, exprime assim seu "julgamento de fundo positivo" sobre o movimento "carismático": "Certamente, trata-se de uma esperança, de um sinal positivo dos tempos, de um dom de Deus à nossa época" (Conferências sobre a Fé, Cardeal Ratzinger, V. Messori, Fayard, 1985, pág. 186).

Devemos então contradizer estes fiéis, que exibindo pseudo-revelações de pseudo-místicos afirmam que estes são rejeitados pela Igreja oficial. Talvez alguns padres ou bispos, ainda conscientes de sua responsabilidade diante de Deus, se recusem a ser cúmplices de uma fraude tão grave e tão grosseira, mesmo se é orquestrada em escala mundial. É, por outro lado, um fato reconhecido que hoje os "místicos" e os "carismáticos" são favorecidos imprudentemente e sem discernimento, enquanto que os verdadeiros místicos (basta pensar no padre Pio) encontram não somente uma prudente reserva, mas mesmo certa hostilidade. Assim, para nos limitar aos nossos exemplos, o movimento "neo-pentecostal", não obstante suas heresias, denunciadas de muitos lados, conseguiu aprovação e apoio por parte de João Paulo II. Assim o cardeal Ratzinger enterrou habilmente a condenação de Medjugorje pelo bispo Zanic e o julgamento substancialmente negativo ("o caráter sobrenatural dos fatos não está estabelecido") da conferência episcopal iugoslava. Assim, o bispo "guerreiro" Mons. Milingo, que garantiu o falso ridículo da foto "milagrosa" de Jesus (conf. Sì Sì No No, 15 de abril de 1994, pág. 4), contestado por seus confrades africanos, achou proteção e hospitalidade no Vaticano. Como explicar então, esta derrogação à prudência tradicional da Igreja face aos fenômenos "carismáticos"? Porque a hierarquia católica, até o cume (é nosso dever dizer), é composta de numerosos modernistas e filomodernistas favoráveis, por motivos já explicados, às "experiências religiosas" de todo gênero. Basta aqui lembrar Urs von Balthasar, um dos "padres" do neo-modernismo, perdido atrás do falso "misticismo" de Adrienne von Speyr, nomeado cardeal por João Paulo II. O qual João Paulo II desejou e cobriu com sua própria autoridade um simpósio romano em honra de Adrienne von Speyr (v. Sim Sim Não Não de fevereiro de 1994. "Urs von Balthasar, o pai da apostasia ecumênica).

 

"Perder um pouco para ganhar muito"

Há, entretanto, outro motivo que pode explicar o favor mais ou menos tácito dado pelos membros modernistas da hierarquia ao "pseudo-misticismo". Quando o velho modernismo parecia morto, A. Loisy deu assim a razão: "Com menos razão e mais entusiasmo religioso, ele foi mais forte" (Choses passées, pág. 355). Na realidade, os modernistas, conquanto inimigos da razão, são intelectuais e seus sofismas e sua linguagem, se podem fascinar algumas "elites", mostram-se frios e incompreensíveis para a massa (o cardeal Ratzinger, em 30 dias, exprimiu há algum tempo um lamento substancialmente idêntico a respeito dos "novos" teólogos). Logo, não há nada mais adaptado do que os "místicos" ou os movimentos "carismáticos" para suscitar nos simples fiéis este "entusiasmo religioso" que o neomodernismo precisa para não ser, ele também, um "estado maior sem tropa" (J. Rivière) destinado, mais uma vez, à derrota. Mesmo Teilhard de Chardin, S. J., um dos "santos padres" do neomodernismo, queria que a "nova Fé para a Terra" se desenvolvesse no seio do velho cristianismo, "partindo da maravilhosa realidade de seu "Cristo Ressuscitado", não como uma entidade abstrata, mas como objeto de uma larga corrente mística extraordinariamente adaptável e vivaz" (carta a um dominicano apóstata que o convidava a sair oficialmente da Igreja - ver Courrier de Rome, junho de 1994, pág. 5).

Não é temerário supor que os atuais membros modernistas da hierarquia vejam nos movimentos "carismáticos" de toda sorte e em diversas "místicas" ecumênicas, o instrumento mais eficaz para difundir o modernismo no nível da massa, assim como para justificar pelo "Céu" o novo curso eclesiástico. E o povo cristão, duplamente enganado, nem mesmo imagina que é levado para a apostasia através das nuvens "místicas" e "carismáticas" do convite à caridade, à oração e à penitência (jejum inclusive). Tanto é verdade que o demônio "sabe que é preciso perder um pouco para ganhar muito" (bem-aventurada Acarie, fundadora do carmelo na França). E no caso presente, o lance no jogo é enorme e decisivo. Os Papas nos advertiram muitas vezes: "o fundamento sobre o qual [o movimento para promover a união entre os cristãos] se apóia, é de natureza a desorganizar totalmente a constituição divina da Igreja", escrevia Pio IX ao episcopado inglês em 16 de setembro de 1884; e Pio XI advertiu aos católicos, que aderindo ao movimento ecumênico ou o ajudando, eles "estariam atribuindo autoridade a uma religião falsa, inteiramente estranha à única Igreja de Cristo" (Mortalium animos). Não nos deveríamos espantar que Satanás, para sustentar o ecumenismo atual, gaste todas as suas baterias.

 

Como se salvar

Como se vê, caro amigo, a impostura dos "místicos" e dos "carismáticos" atuais de todo gênero (colocamos também nesta categoria aqueles chamados "movimentos eclesiásticos", todos mais ou menos "poluídos" de pietismo), é um fenômeno muito mais grave do que o dos falsos místicos contra os quais, periodicamente, a Igreja teve que defender-se.

Você compreende agora, também, porque nós combatemos de preferência no campo doutrinal; lutando contra os erros doutrinais do neo-modernismo, vamos também à raiz do pseudo-misticismo atual. Seja sobre o plano doutrinal, seja em face às pretensas "revelações", a atitude de um filho da Igreja é substancialmente idêntica: permanecer solidamente no que a Igreja ensina desde dois mil anos e que, no que concerne aos fenômenos místicos, é assim resumido por Tanquerrey:

"toda revelação contrária à fé ou aos bons costumes deve ser inexoravelmente rejeitada, como ensinam unanimemente os doutores apoiados sobre as palavras de São Paulo: "Quando nós mesmos ou um anjo vindo do Céu vos anunciar um evangelho contrário ao que vos anunciamos, que seja anátema". A. Tanquerrey, Précis de Théologie Ascétique et Mystique, no. 1501).

Isidorus

(Revista Sim Sim Não Não n°36, dezembro de 1995)

  1. 1. Paulo VI confirmou, em 14 de outubro de 1966, o decreto da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (Acta Apostolicae Sedis no. 58/16 de 29.12.1966) permitindo a publicação de escritos concernindo às manifestações sobrenaturais, mesmo se esses escritos não estão revestidos do "nihil obstat" das autoridades eclesiásticas.
  2. 2. Na França, um dos órgãos principais do pseudo-misticismo modernista é a publicação mensal Chrétien magazine, cujo editorialista é o padre Laurentin.
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