A América do Norte é um país com cem milhões de habitantes, dos quais só dezenove milhões são católicos.
O Chefe do Estado americano – que não governa, portanto, um país de maioria católica – na mensagem dirigida a Sua Eminência o Cardeal Mundelein, Presidente do Congresso Eucarístico, ultimamente reunido em Chicago, teve, entre outras, as seguintes palavras:
“Se pôde o nosso País alcançar algum sucesso político, se vive o nosso povo apegado à própria constituição, é porque as nossas instituições estão em harmonia com as suas crenças religiosas.
Daí a importância da vida religiosa da Nação. Assegura-lhe livre exercício o estatuto fundamental do País. Se progrediu a América no terreno econômico, se é ela hoje em dia a mansão da justiça e da liberdade, é graças às profundas convicções religiosas do seu povo”.
Estas são as palavras de Calvin Coolidge, mas não menos afirmativas, não menos brilhantes, não menos graves e comoventes são as do seu representante na sessão inaugural daquele Congresso, o secretário Davis, chefe do Departamento do Trabalho da grande República.
Eis um trecho do final do seu discurso:
“A vossa Igreja – já o disse – cresceu extraordinariamente na América e continua até hoje a crescer. Vossa influência não se acha, porém, na América, circunscrita aos de vosso grêmio.
“Escritores católicos são largamente lidos entre nós, os hinos católicos são cantados em todos os nossos centros de orações. Honram-se em toda a parte as vidas dos vossos santos. Acanhados preconceitos de intolerância, próprios de outras eras, foram-se dissipando como a névoa ao despontar do sol.
“Aqui haveis encontrado – e não duvido que sempre haveis de encontrar na América, sejam quais fores as circunstâncias atuais a esse respeito em outros países do nosso Continente – toda a liberdade de que necessitais para ensinardes a vossa fé a velhos e moços, e para estenderdes a vossa missão a todos nós”.
Note-se, atente-se bem nesta frase: “Sejam quais forem as circunstâncias atuais a esse respeito em outros países do nosso Continente”.
O eminente político americano sabia bem aonde feria, e pode-se dizer que traçou, com aquela simples sugestão, um edificante paralelo...
É que neste mesmo Continente, e ali, bem aos pés do país onde de tal modo se cultua a liberdade de consciência e se rende tão altas homenagens à Igreja Católica, o México estadia, neste momento, processos e métodos governamentais ou políticos capazes de empalidecer os da Uganda de Stanley...
São vinte milhões talvez os habitantes do México e, segundo as próprias estatísticas oficiais, é católica noventa e cinco por cento da população.
Que fora de esperar de um tal país que se diz regido por leis democráticas e liberais, descontados mesmo todos os sofismas que estas palavras acobertam?
É claro que tudo se poderia compreender, menos a escravidão, o azorrague, o ódio, e a perseguição para os católicos, imensa maioria que são, e do seio da qual deveria, pelo menos, pretender ter saído qualquer governo, que procurasse tornar-se legítimo e, como tal respeitado.
Mas o México parece justificar, a esta hora, os filmes yankees, contra os quais os seus representantes andaram pelo mundo a reclamar e a protestar indignamente ...
O que já é impossível negar, porém, é que as vicissitudes de uma política – se política se pode chamar a agitações que fizeram auréolas como as de Pancho y Villa – de uma política de lábregos, têm garrotado o nobre povo mexicano ao jugo mais degradante e mais tirânico, que já desonrou terras americanas.
Sob o nome de Constituição, o povo mexicano sofre o opróbrio de leis, que a sábia e discreta sabedoria da Santa Sé já julgou não merecerem este nome e as violências, os esbulhos, os vexames de toda a espécie que estão sofrendo, neste momento, o Clero e os mais altos representantes da fé católica naquela terra católica, são de ordem a justificarem todas as resistências nacionais e, de todos nós, americanos e católicos, os protestos mais veementes e mais indignados, como deve merecer sempre tudo quanto nos desonre e nos rebaixe.
Os fatos particulares, ou melhor, os últimos crimes cometidos pelo governo do México contra a nação que, humilhada, o vem sofrendo, não merecem comentário, e nem mesmo vale a pena reproduzir aqui as nobres e altivas palavras com que o delegado apostólico acaba de responder ao decreto de sua expulsão do território mexicano.
De homens que ousaram impor à sua própria pátria uma Constituição como a que ora violenta a consciência cristã do México, tudo se deveria esperar no terreno da violência e do crime. O que é espantoso é que tais homens conseguissem dominar um povo, fosse esse povo, não o mexicano, de tão heróica tradições, mas o mais desfibrado e infeliz entre os que mancham de negro a vastidão africana.
Noventa e cinco por cento da população mexicana é, repito, segundo dados oficiais, católica, e o estado legal da Igreja Católica é, presentemente, naquele país, o que reproduzo de um resumo autorizado de A União:
“O ensino é leigo, nas escolas primárias, tanto nas do Estado como nas particulares”. São estas sujeitas ao Estado e é proibido que os professores sejam eclesiásticos ou religiosos (art.3)
São proibidas todas as Ordens Monásticas (art.5).
Proibido o culto religioso fora das igrejas, e é ele submetido à vigilância da autoridade (art.24).
Não pode a Igreja adquirir nem possuir bens imóveis de qualquer espécie: basta a simples presunção para apoiar a denúncia de qualquer violação (art.27).
A Igreja é espoliada dos templos, dos paços diocesanos, dos seminários, das casas paroquiais, escolas etc., e isso com força retroativa (art.27). Não se reconhece o casamento religioso (art.130) nem a personalidade jurídica da Igreja (id). Os eclesiásticos são considerados como operários assalariados, ou profissionais expostos a pagar direitos do exercício do seu ministério (id).
As legislaturas das províncias têm a faculdade de marcar o número máximo de sacerdotes necessários e é proibido o exercício aos sacerdotes estrangeiros, ainda que se naturalizem os mexicanos (art. 130).
É crime fazerem os eclesiásticos qualquer censura contra as leis ou contra a autoridade civil, ou ao governo em geral, durante os atos do culto e nas reuniões públicas ou privadas...
Não se pode abrir igreja nova sem licença do governo federal e o dos Estados. Trâmites difíceis e indecorosos são impostos para cada nomeação ou remoção de sacerdotes (art.130). São nulos os estatutos nos seminários.
É considerado delito comentar os negócios do governo nos jornais católicos, tenham ou não esse título, nem se pode constituir agrupamento algum com o nome de católico (id). É restringido quase totalmente o direito dos eclesiásticos para herdar ou constituir herdeiros (id).
Finalmente, são privados os católicos da proteção que poderiam ter, se nos delitos fossem sujeitos ao júri popular.
Não se tem a sensação exata de estar-se a ver um bando de selvagens a imitar os atos, os gestos mais insensatos da nevrose revolucionária que ensangüentou a França de 93?
A memória do selvagem é fraca, relativamente a tudo quanto não seja espetaculoso. Por isto, não lembra aos atuais dominadores do México o que se seguiu na França àquelas bárbaras violências...
Mas não ficam aí as glórias políticas do México contemporâneo. O seu famoso Congresso elabora ainda leis e regulamentos que agravarão a tirania vermelha, e do mesmo resumo aproveito a lição dessas disposições em preparativos:
I. Expulsão de todos os padres estrangeiros.
II. O governo só reconhece como sacerdote quem tiver estudado no México.
III. Não é permitido nenhum sinal eclesiástico – tonsura ou vestes sacerdotais.
IV. As igrejas só se abrem às seis horas da manhã e fecham às seis da tarde.
V. Não se admite padre de menos de 35 anos.
VI. Suprimem-se absolutamente a Universidade Pontifícia do México e os Seminários.
VII. As igrejas serão divididas eqüitativamente (!) entre as diversas confissões religiosas.
VIII. Criar um Ministério de cultos para fazer executar essas ... resoluções.
IX. Suprimir todos os oratórios particulares.
X. Só se permitir a administração dos sacramentos a domicílio em casos gravíssimos.
Não se tem a sensação, exatíssima, de um bando de vaqueanos a imitar os atos, os gestos mais infames do bolchevismo? Certo o orgulho não lhes faltará de terem também seu Lenine no judeu Elias ... Um judeu mexicano! E não querem depois a lúgubre propaganda dos filmes americanos!!
A visão do vaqueano é fraca relativamente a tudo quanto não seja espetaculoso, estardalhante e brutal. Ele não pode ver a curva gigantesca que vai traçando o Soviete na ânsia de encontrar apoio no coração do povo Russo.
Mas talvez seja mais certo admitir que os tripingados de bota e espora que tiranizam o México, não terão tempo para descrever essa curva do bom senso ressurrecto.
O povo Mexicano não os suportará com a mesma paciência do povo russo, nem as condições sociais do México justificam tal comparação e nem mesmo a tirania, que lhe impõem, tem, como a Rússia, uma base ideológica, monstruosa, não resta dúvida, mas nem por isto menos verificável na triste e paradoxal história do Império Moscovita.
O eminente Secretário de Estado americano, em seu já citado discurso, no Congresso Eucarístico de Chicago, teve mais algumas palavras, que julgo dignas de serem citadas aqui, como comentário indireto à obra dos atuais reformadores do México:
“Não temos rancores para com a religião de ninguém, porque a nação que recusa a liberdade de culto é uma nação que, cedo ou tarde, acabará capacitada de haver cometido o mais lamentável dos equívocos.
“Alguns elementos há entre nós, como alhures, que tão descontentes se acham com a vida, ou, melhor, com a vida que estabelecem por experiência, que desejam destruir as nossas instituições americanas.
“Tais advogados da revolução são criaturas refratárias a toda religião e não crêem em Deus nem na vida eterna. São materialistas contra os quais todos aqueles que confiam no valor dos ideais de ordem superior devem sustentar um combate sem tréguas.
“A Igreja Católica se tem mantido como uma muralha de diamante contra os viciosos processos revolucionários dessa classe de gente, que ostensivamente se agita na defesa do trabalho, mas cujo verdadeiro móvel é a ambição de uma parcela do poder. Onde que que haja um homem de fé religiosa, não pode haver comércio intelectual com essa casta de revolucionários”.
Ninguém esqueça em face desta homenagem à Igreja, como “muralha de diamante”, contra a qual em balde se levantam as ondas do mal revolucionário, ninguém esqueça que os atuais dominadores do México se constituíram em advogados da Revolução, no que ela tem de mais radical e ostensivamente anticristão.
Também o Presidente Coolidge dizia na sua mensagem esta simples palavra que nem todos os governos saberão ouvir, mas de todos, cedo ou tarde, conhecerão a profundeza: “Nenhum governo pode durar muito se não estiver o povo convencido de que é ele um governo reto”.
Quem fala assim não ignora o mal das revoluções, mas sabe que os governos, ainda mais do que ao povo, cabe evitá-las.
Se os algozes do México não são de todos surdos, como terão soado aos seus ouvidos aquelas nobres palavras?