Texto Latim-português - Canto Gregoriano
do Domingo de Ramos ao Domingo de Páscoa
A SEMANA SANTA
Dom Lourenço Fleichman OSB
Enquanto a vida segue seu rumo, e uma aparência de normalidade retoma seu lugar no dia a dia dos homens, os bastidores da Igreja se agitam, paira no ar um perfume de mistério e de sublimidade.
Objetos são consertados, outros pintados, lustrados, verificados. Rapazes cuidam da liturgia, o coro ensaia com insistência e perseverança. Tudo deve estar pronto em poucas semanas, porque o Esposo há de chegar no meio da noite, ouviremos o grito: "saiam com vossas lâmpadas acesas para receber o Senhor para as bodas".
Não queremos ser contados no número daquelas virgens loucas, negligentes a ponto de não levarem o azeite juntamente com as lamparinas. Ao contrário, queremos o cortejo, almejamos nosso lugar na fila, a honra de acompanhar Nosso Senhor nos passos de sua Paixão. Em pouco tempo estaremos às portas da Semana Santa, no centro da vida litúrgica da Igreja. Após as rudes semanas de jejum e penitência que formam a Quaresma, é justo que Nosso Senhor se incline sobre as almas com suas mãos carregadas de graças e presentes espirituais. Leia mais
O que fará o católico nesses dias? O domingo de Ramos abre a Semana Santa com algumas novidades. O sacerdote benze os ramos, faz-se a procissão; no retorno, o Gloria Laus é cantado na porta da igreja fechada, tudo isso em honra de Jesus Cristo, Rei das almas, Rei das nações. Abrem-se as portas do Reino, de par em par, e o cortejo penetra no santuário ao som do Ingrediente.
Mas pode acontecer de assistirmos a esta belíssima cerimônia mais preocupados com a hora que passa, o tempo que escoa, o descanso, o almoço, a pestana. Triste homem, incapaz de ver com os olhos da alma a grandeza do que acontece diante de seus olhos adormecidos.
Logo termina a procissão e tem início a santa missa desse 2º Domingo da Paixão. O quadro muda de figura, os cantos triunfantes em honra do nosso Rei cedem lugar ao relato impressionante de um Deus crucificado. E ouvimos como se fora a primeira vez: "E dando um grande brado, expirou".
Esta realidade de Cristo morto sobre a Cruz, e de todos os sofrimentos que precedem o momento derradeiro, marcará de modo forte os dias que se seguem, deixando no ar um sentimento de luto e tristeza. Com a alma impregnada de lágrimas, assistiremos à missa festiva da Quinta-feira Santa, trazendo até nós, com o mesmo frescor e a mesma dor daquele dia, a instituição da Sagrada Eucaristia. Veremos Jesus Cristo, na pessoa do sacerdote, lavar os pés dos seus Apóstolos, representados por doze homens, ao canto do Ubi Caritas, lembrança dessa união de amor que todos realizamos em Nosso Senhor, quando comungamos. É o dia também da instituição do sacerdócio, o dia em que os Apóstolos foram ordenados padres e bispos, para a salvação dos homens pecadores.
Na Capela Nossa Senhora da Conceição, a adoração noturna vai até as 6:00 da manhã da Sexta-feira Santa. Amanhece o dia, a santa Reserva é mantida ali para a comunhão da tarde, e o dia transcorre em silêncio, tudo é preparado num ambiente de calma, sem muita agitação e dissipação. Naquela noite e naquela manhã, Jesus estava sendo julgado e flagelado.
Quando a matraca soa seu ar martelado, às 15:00, na hora em que Nosso Senhor expirou sobre a Cruz, o celebrante inicia o cortejo que terminará com a prostração no santuário. Luto, dor, sentimentos contraditórios invadem o peito, no momento em que o sacerdote recita a coleta inicial, em tom grave e solene.
O que se segue é mais uma etapa desse conjunto impressionante de ritos e cantos que compõem o Tríduo Pascal. Esta passagem realizada pelos hebreus em fuga do Egito, sob o comando de Moisés, que durou 40 anos no rude deserto, é figura da passagem da morte à vida, do nosso pecado à nossa Redenção, que Jesus Cristo realiza morrendo na Cruz.
Depois das leituras, o celebrante, ajudado por outros padres, ou pelos diáconos, canta a impressionante Paixão segundo São João, em melodia medieval, tocante em sua simplicidade e no impacto eletrizante que provoca na alma dos fiéis atentos.
Assim preparados, assumimos o pranto de Cristo diante da fraqueza do seu povo, da fraqueza das nossas almas pecadoras e instáveis. Cantamos os Impropérios, variados, pungentes, maravilhosos, enquanto nos inclinamos ao solo para beijar os pés de Nosso Senhor crucificado. E terminamos com a santa comunhão, dando-nos força no dia do jejum solene, alimento necessário para a purificação da alma.
Quando termina a Sexta-feira Santa aumenta o silêncio entre a Terra e o Céu. A Cruz gloriosa brilha no alto dos altares, mas uma cortina roxa tremula ainda diante das imagens do Céu. A ponte ainda não foi armada, falta a fresca manhã da Ressurreição. E ela virá mediante as impressionantes cerimônias do Sábado Santo, a Vigília Pascal. Que homem poderia ter imaginado tamanha ousadia? Benzer o fogo! Tornar esta matéria volátil do ar incandescente abençoada pelo poder dado ao sacerdote: tudo o que ele abençoar será abençoado, diz o ritual da ordenação sacerdotal. E o fogo que crepita na lenha torna-se manso e doméstico na chama do Círio Pascal, imagem belíssima de Cristo ressuscitado.
Forma-se a procissão, entra a Luz na nave escura da igreja: Lumen Christi - Deo gratias! Pouco a pouco, em cada etapa, aumenta a claridade dentro da igreja, até que todos os fiéis, com suas velas acesas, preparam-se para ouvir ressoar sobre as cúpulas e abóbodas estas palavras tão caras à alma católica: Exultet. A quem se dirige a Santa Igreja neste imperativo tão cheio de Esperança? Exultet jam angelica turba coelorum! São os anjos do céu que devem se alegrar por causa dos divinos mistérios e soprar com força a trombeta da salvação pela vitória do nosso Rei. É o Precônio pascal, o anúncio da grande e sempre atual novidade que enche a Terra (tellus) de celestial alegria.
A partir dessa explosão de luz e de alegria, toda a noite irradiará esses sentimentos de júbilo, mesmo quando, voltando ainda à realidade da hora, as cores brancas cederem algum espaço ao roxo das leituras e responsórios. A Água Batismal será abençoada em rito tão cheio de doutrina e mistério, que já ninguém se importa muito com a pluvial roxa. Morreu a tristeza no grito do diácono, e tudo se transformou em alegria. Alegre violeta de uma penitência passada.
A renovação das promessas do Batismo, por vezes acompanhada de um batismo propriamente dito, acrescenta a espiritualidade batismal nesta noite já tão carregada de doutrina e sacramento. E diremos jubilosos, arrancaremos do coração, talvez pela primeira vez, a força tanto esperada diante de um demônio aplastado no fundo do inferno. – Vai-te Satanás, a Deus só adorarás! Este é o sentimento do católico nesta noite abençoada: vencemos a nós mesmos, vencemos ao príncipe das trevas, porque Cristo, nossa Páscoa, ressuscitou. Então cantamos o retorno do Allelúia, subimos degrau por degrau a melodia singela que nos permite novamente dizer: Amén! Allelúia! Sabedoria, honra e glória ao Cordeiro que tinha sido imolado mas ressuscitou.
Prepare-se católico, pois a Semana das Semanas se aproxima. Prepare-se para assistir a todos os ofícios, pois são esses dias que explicam a nossa piedade pessoal, o nosso Terço, nossas ladainhas e orações, nossas penitências e mortificações. É o anúncio do céu, é a presença atual da promessa de Vida Eterna.