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Artigo 1 - Se alguém está obrigado a acusar.

O primeiro discute-se assim. – Parece que ninguém está obrigado a acusar.

1. – Pois, ninguém está escusado, por motivo de pecado, de cumprir um preceito divino, porque então tiraria uma vantagem do seu pecado. Ora, certos tornam-se pelo pecado, inábeis para acusar, como os excomungados, os infames e os acusados de crimes maiores, ante de provarem que são inocentes. Logo, ninguém está por preceito divino obrigado a acusar.

2. Demais. – Todo dever depende da caridade, que é o fim do preceito. Donde o dizer o Apóstolo. A ninguém devais coisa alguma, se não é o amor com que vos ameis uns aos outros. Ora, os preceitos de caridade devemos praticá-los para com todos, maiores e menores, súditos e prelados. Mas, como os súditos não devem acusar os prelados, nem os inferiores os superiores, segundo um principio jurídico frequentemente estabelecido, conclui-se que ninguém está obrigado a acusar.

3. Demais. – Ninguém está obrigado a agir contra a fidelidade que deve ao amigo, porque não deve fazer a outrem o que não quer que lhe façam. Ora, acusar a outrem é às vezes contra a fidelidade devida ao amigo, conforme ao dito da Escritura: O que anda com dobreza descobre os segredos; mas o que é de coração leal cala o que o amigo lhe confiou. Logo, ninguém está obrigado a acusar.

Mas, em contrário, a Escritura. Se pecar uma pessoa, enquanto ouvindo a alguém jurar, e for testemunha, ou porque ele mesmo viu ou é sabedor, se o não denunciar, incorrerá na sua iniquidade.

Solução. – Como já dissemos a diferença entre a denúncia e a acusação está em visar aquela a correção fraterna e esta, a punição do crime. Ora, as penas da vida presente não são aplicadas como um fim em si, porque ela não é o tempo último da retribuição. Mas, só enquanto corretiva, visando a emenda da pessoa do pecador, ou o bem da república, cuja tranquilidade é o que busca a punição dos pecadores. Ora, o primeiro desses fins é o que tem em mira a denúncia, como dissemos; o segundo pertence propriamente à acusação. Portanto, se o crime for tal, que redunde em detrimento da república, estamos obrigados a acusar, contanto que possamos suficientemente prová-lo, o que pertence ao dever de acusador. Por exemplo, quando o pecado de alguém contribui para a corrupção corporal ou espiritual da multidão. Se porém o pecado não for tal que redunde em detrimento da multidão; ou ainda se dele não for possível dar prova cabal, não estamos obrigados a intentar a acusação, porque ninguém está obrigado ao que não pode realizar de modo devido.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Nada impede que o pecado torne alguém incapaz do que os homens estão obrigados a fazer. Por exemplo, de merecer a vida eterna e de receber os sacramentos eclesiásticos. Mas nem por isso daí lhe advém qualquer vantagem; ao contrário, não fazer o ao que está obrigado é gravíssima pena, porque os atos virtuosos são as como perfeições do homem.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Estão proibidos de acusar os seus prelados os súditos que buscam difamar-lhes e repreender a vida, não pelo afeto da caridade, mas, por maldade; ou também se os súditos que querem acusar foram criminosos, como estabelece uma disposição da lei. Do contrário, se forem idôneos para tal, é lhes lícito acusar os prelados, com caridade.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Revelar os segredos, para o mal de outrem, é contra a fidelidade; não porém, se forem revelados para o bem comum, que sempre deve ser preferido ao privado. Logo, contra o bem comum não é lícito receber nenhum segredo. - Contudo, absolutamente não é secreto o que pode ser provado por testemunhas suficientes.

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