O quarto discute-se assim. – Parece que o juiz pode licitamente relaxar a pena.
1. – Pois, diz a Escritura. Porque se fará juizo sem misericórdia aquele que não usou de misericórdia. Ora, ninguém é punido por não fazer o que pode licitamente não fazer. Logo, qualquer juiz pode licitamente fazer misericórdia, relaxando a pena.
2. Demais. – O juízo humano deve imitar o divino. Ora, Deus relaxa a pena aos que fazem penitência porque, conforme à Escritura, não quer a morte do pecador. Logo, também o juiz pode licitamente relaxar a pena do que se arrepende.
3. Demais. – A cada um é lícito fazer o que aproveita a outrem e a ninguém prejudica. Ora, absolver da pena o réu aproveita-lhe a ele e a ninguém prejudica. Logo, o juiz pode licitamente absolver o réu da pena.
Mas, em contrário, diz a Escritura daquele que persuade a servir os deuses estranhos: O teu olho não lhe perdoe, de modo que tenhas compaixão e o encubras; mas logo o matarás. E, falando do homicida. Morrerá, nem terás compaixão dele.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, duas coisas devemos considerar, no caso vertente, relativamente ao juiz. Uma é que ele deve julgar entre o acusador e o réu. Outra, que profere a sentença judicial, não como pessoa particular, mas, como investido do poder público. Logo, por dupla razão fica o juiz impedido de absolver da pena o réu. - A primeira diz respeito ao acusador, que às vezes, por exemplo, por alguma injúria que lhe foi feita, tem direito a que o réu seja punido. E então nenhum juiz tem o poder de relaxar a pena, porque todo juiz está obrigado a dar a cada qual o seu direito. - A outra diz respeito à república, em nome da qual exerce as suas funções e cujo bem exige que os malfeitores sejam punidos. Contudo, neste ponto, há diferença entre os juízes inferiores e o supremo juiz, a saber, o príncipe, a quem foi plenamente cometido o poder público. Pois, o juiz inferior não tem o poder de absolver da pena o réu contra as leis impostas a si pelo superior. Por isso, aquilo do Evangelho - Tu não terias sobre mim poder algum - diz Agostinho; Deus deu a Pilatos tal poder, de modo que também estivesse sob o de César, de sorte que de maneira nenhuma lhe fosse lícito absolver o acusado. Ora, o chefe que tem o poder plenário, na república, poderá licitamente absolver o réu, se aquele que sofreu a injúria quiser perdoá-la, e se a ele chefe lhe parecer que tal não é nocivo à utilidade pública.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A misericórdia do juiz pode exercer-se em matéria que lhe é deferida ao arbítrio, caso em que é próprio do homem bom diminuir a pena, como diz o Filósofo. Em matéria porém determinada pela lei divina ou humana, não lhe pertence fazer misericórdia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus tem o supremo poder de julgar, e a ele pertence julgar todo pecado cometido contra qualquer que seja. Por isso, tem a liberdade de remitir a pena; sobretudo quando ao pecado esta é principalmente devida por ser ele contra Deus. Contudo; não a remite, senão enquanto convém à sua bondade, que é a raiz de todas as leis.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O juiz que remitisse a pena desordenadamente causaria dano à comunidade, à qual importa sejam punidos os malefícios, para serem evitados os pecados. Por isso, a Escritura - depois de ter estabelecido a pena do sedutor, acrescenta: Para que, sabendo-o todo Israel, tema e não torne mais a fazer coisa semelhante a esta. Além disso, o juiz que assim agisse causaria dano também à pessoa a quem foi feita a injúria, e que recebe uma compensação no se lhe restituir de certo modo a honra, com a pena do que a injuriou.