O terceiro discute-se assim. – Parece que o juiz pode julgar mesmo quem não tem nenhum acusador.
1. – Pois, a justiça humana deriva da divina. Ora, Deus julga os pecadores, mesmo se ninguém os acusa. Logo, parece que quem exerce a função de juiz pode condenar mesmo quem não tem nenhum acusador.
2. Demais. – No juízo requer-se o acusador para que delate o crime ao juiz. Ora, às vezes, o crime pode chegar ao conhecimento do juiz, por outra via que não o acusador; por exemplo, pela denúncia, pela má fama, ou ainda se o próprio juiz o viu. Logo, o juiz pode condenar mesmo quem não tem acusador.
3. Demais. – A Escritura narra os feitos dos Santos como uns quase modelos da vida humana. Ora, Daniel foi ao mesmo tempo acusador e juiz dos velhos iníquos, como se lê na Escritura. Logo, não vai contra a justiça o juiz que condena alguém de que também é acusador.
Mas, em contrário, Ambrósio, expondo a sentença do Apóstolo sobre a fornicação, diz: O juiz não pode condenar, quem não é acusado; pois, o Senhor não repeliu Judas apesar de ladrão, porque não fora acusado.
SOLUÇÃO. – O juiz é o intérprete da justiça; por isso, como diz o Filósofo: os homens buscam proteção junto dele como se fosse a justiça viva. Ora, como já dissemos, não podemos praticar a justiça para conosco mesmos, mas, só para com outrem, Logo, é necessário que o juiz decida, entre duas partes; o que se dá, sendo uma o autor e outra o réu. Logo, em se tratando de crimes, o juiz não pode condenar quem não tem acusador, conforme aquilo do Apóstolo: Não é costume dos Romanos condenar homem algum antes do acusado ter presentes nos seus acusadores, e antes de se lhe dar liberdade para ele se defender dos crimes que se lhe imputam.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Deus, ao julgar, serve-se da consciência do pecador como de acusador, segundo aquilo do Apóstolo. Os pensamentos de dentro, que umas vezes os acusam e outras o defendem. Ou se serve do conhecimento evidente que tem do fato. A voz do sangue de teu irmão clama desde a terra para mim.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A má fama pública exerce o papel do acusador. Por isso, aquilo da Escritura. A voz do sangue de teu irmão, etc. - diz a Glosa: A evidência do crime perpetrado não precisa de acusador. - A denúncia, porém, como já dissemos não visa a punição, mas, a emenda do pecador; por isso, ela não é empregada contra aquele cujo pecado foi denunciado, mas, a favor dele, Donde a não necessidade, nesse caso, de acusador. Ao passo que a pena é infligida por causa da rebelião contra a Igreja, a qual, sendo manifesta, faz as vezes de acusador. - E quanto ao que o juiz mesmo vê, não pode ele fundar-se nisso para dar sentença, obedecendo à ordem do juízo público.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Deus, nos seus juízos, funda-se no conhecimento próprio que tem da verdade; não porém o homem, como já dissemos. Por isso, ninguém pode ser ao mesmo tempo acusador, testemunha e juiz, como o pode Deus. Quanto a Daniel, foi ele acusador e juiz simultaneamente, por ser um como executor do juízo divino, cuja inspiração o movia, como já dissemos.