O undécimo discute-se assim. – Parece que o ato de justiça não consiste em dar a cada um o que lhe pertence.
1. – Pois, Agostinho diz que é próprio da justiça socorrer os miseráveis. Ora, socorrendo os miseráveis, nós lhes damos não o que lhes pertence, mas, o que nos pertence. Logo, o ato da justiça não consiste em dar a cada um o que lhe pertence.
2. Demais. – Túlio diz que a beneficência, a que podemos chamar benignidade ou liberalidade, é própria da justiça. Ora, a liberalidade consiste em dar a outrem do que é nosso e não, o que lhe pertence. Logo, o ato da justiça não consiste em dar a outrem o que lhe pertence.
3. Demais. – A justiça pertence não somente distribuir as coisas do modo devido, mas ainda, coibir os atos injuriosos, como, o homicídio, o adultério e outros semelhantes. Ora, dar a cada um o seu, parece que é o que só consiste a distribuição das coisas. Logo, não caracterizamos suficientemente um ato de justiça dizendo que ele consiste em dar a cada um o que lhe pertence.
Mas, em contrário, Ambrósio: justiça é a que dá a cada um o que lhe pertence e não reclama o alheio; descuida a utilidade própria para salvaguardar a utilidade comum.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos a matéria da justiça é a ação exterior, enquanto que esta ação mesma ou a coisa sobre que ela se exerce tem relação com outra pessoa, relação que deve ser regulada pela justiça. Ora, chama-se nosso o que nos é devido por uma igualdade proporcional. Por onde, o ato próprio da justiça não consiste senão em dar a cada um o que lhe pertence.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A justiça, enquanto virtude cardeal estão anexas certas virtudes secundárias, como a misericórdia, a liberalidade e outras semelhantes, conforme a seguir se verá. Por onde, socorrer aos miseráveis, que é próprio da misericórdia ou da piedade; e fazer bem liberalmente, o que é próprio à liberalidade, atribuem-se, por uma certa redução, à justiça, como à virtude principal.
Donde se deduz clara a RESPOSTA À SEGUNDA OBJEÇÃO.
RESPOSTA À TERCEIRA. - Como diz o Filósofo, tudo o que ultrapassa a medida, em matéria de justiça, é chamado, por extensão, lucro; assim como tudo o que não a atinge chama-se dano. E isto porque a justiça se exerce principalmente e recai mais comumente sobre as trocas voluntárias das coisas, por exemplo, a compra e venda, às quais se aplicam propriamente as denominações supra-referidas. E daí o derivaram esses nomes para tudo o que pode constituir objeto de justiça. Ora, o mesmo raciocínio tem cabida no concernente a dar a cada um o que lhe pertence.