O terceiro discute-se assim. – Parece que a nossa alegria espiritual causada pela caridade não pode ser completa.
1. – Pois, quanto maior for a alegria que sentirmos por causa de Deus, tanto mais completa ela será em nós. Ora, nunca poderemos nos alegrar tanto, por causa de Deus, quanto ele é digno; porque sempre a sua bondade, que é infinita, excede a alegria do ser criado, que é finita. Logo, a nossa alegria, por causa de Deus, não pode ser completa.
2. Demais. – O que já é completo não pode ser maior. Ora, a alegria, mesmo a dos bem aventurados, pode ser maior, porque a de um é maior que a de outro. Logo, a alegria por causa de Deus não pode ser completa, na criatura.
3. Demais. – A compreensão não é senão a plenitude do conhecimento. Ora, assim como a potência cognoscitiva da criatura é finita, assim também a sua potência apetitiva. E como Deus não pode ser compreendido por nenhuma criatura, resulta a alegria de nenhuma, por causa de Deus, pode ser completa.
Mas, em contrário, o Senhor diz aos discípulos: Para que o meu gozo fique em vós, e para que o vosso gozo seja completo.
SOLUÇÃO. – A plenitude da alegria pode ser entendida de dois modos. - De um modo, relativamente ao objeto com que nos alegramos; isto é, que nos alegremos com ele tanto quanto ele é digno dessa alegria. E assim só é completa a alegria que Deus tem consigo mesmo; porque sendo infinita é condigna da sua infinita bondade; ao passo que a alegria e quer criatura há de por força ser finita. - Doutro modo pode-se entender a plenitude da alegria relativamente a quem a tem. Ora, a alegria está para o desejo, como o repouso, para o movimento, como já dissemos quando tratamos das paixões. Ora, o repouso é completo quando nada mais resta do movimento. Logo, também a alegria é completa quando nada mais resta a desejar. Mas enquanto estamos neste mundo, não cessa em nós o movimento do desejo, porque ainda resta que nos aproximemos mais de Deus pela graça, como do sobredito resulta. Quando porém já tivermos chegado à beatitude perfeita, nada mais restará para desejar; porque então haverá o gozo completo de Deus, na qual o homem obterá tudo quanto desejar relativamente a outros bens, conforme aquilo da Escritura; O que enche de bens o teu desejo, E então há de aquietar-se não só o desejo de Deus, mas qualquer outro. E por isso a alegria dos bem-aventurados será perfeitamente completa. E mesmo supercompleta, porque obterão mais do que o que são capazes de desejar. Pois, como diz o Apóstolo, nem jamais veio ao coração do homem o que Deus tem preparado para aqueles que o amam. E é isto mesmo que diz o Evangelista: No seio vos meterão uma boa medida e bem cheia. Como porém nenhuma criatura é capaz da alegria, por causa de Deus, que lhe seja condigna, daí resulta que o homem não é capaz de comportar essa alegria absolutamente completa; mas, antes, entra nela, conforme a Escritura Entra no gozo de teu Senhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A objeção colhe, quanto à plenitude da alegria concernente ao objeto com que nos alegramos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Alcançada a beatitude, cada um terá atingido o termo que lhe foi prefixado pela predestinação divina, nem restará nenhum outro termo a atingir; embora, alcançado o termo, um chegue a maior proximidade de Deus e outro, a menor. Por onde, a alegria de cada um, como sujeito dela, será completa, porque os desejos se lhe aquietarão completamente. Será, porém maior a de um que a de outro, conforme a participação mais completa da beatitude divina.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A compreensão implica a plenitude do conhecimento relativamente ao objeto conhecido, de modo que seja conhecido tanto quanto pode sê-lo. Mas o conhecimento também é susceptível de plenitude por parte do sujeito que conhece, como já o dissemos também a propósito da alegria. Por isso, o Apóstolo diz: Somos cheios do conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual.