O segundo discute-se assim. – Parece que a alegria espiritual, causada pela caridade, pode ser mesclada de tristeza.
1. – Pois, é próprio da caridade folgar com os bens do próximo, conforme a Escritura: A caridade não folga com a injustiça, mas folga com a verdade. Ora, esta alegria pode mesclarse de tristeza, no dizer do Apóstolo: Alegrai-vos com os que se alegram, chora com os que choram. Logo, a alegria espiritual da caridade pode mesclar-se de tristeza.
2. Demais. – A penitência, diz Gregório, consiste em chorarmos os males cometidos e não praticarmos de novo atos que devamos lamentar. Ora, não há verdadeira penitência sem caridade. Logo, a alegria da caridade pode mesclar-se de tristeza.
3. Demais. – A caridade nos leva a desejarmos estar com Cristo, conforme ao Apóstolo: Tendo desejo de ser desatado da carne, e estar com Cristo, Ora, esse desejo produz em nós uma certa tristeza, como o diz a Escritura: Ai de mim, que o meu desterro se prolongou. Logo, a alegria da caridade pode mesclar-se de tristeza.
Mas, em contrário, a alegria da caridade consiste em alegrar-se com a sabedoria divina. Ora, essa alegria não vai de mistura com a tristeza, conforme aquilo da Escritura: A sua conversação nada tem de desagradável. Logo, a alegria da caridade não pode mesclar-se de tristeza.
SOLUÇÃO. – A caridade causa uma dupla alegria, relativamente a Deus, como já dissemos. - Uma principal e própria da caridade, que nos leva a nos alegrar com o bem divino em si mesmo considerado. E essa alegria da caridade não pode mesclar-se de tristeza, como também não pode ir de mistura com o mal o bem com que ela se alegra. Por isso o Apóstolo diz: Alegrai-vos incessantemente no Senhor. Outra alegria da caridade é a pela qual nos alegramos com o bem divino enquanto participado por nós. Ora, essa participação pode ser impedida por alguma contrariedade. E por aí a caridade pode mesclar-se de tristeza, quando nos entristecemos com o que contraria à nossa participação do bem divino, ou a do próximo, a que amamos como a nós mesmos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As lágrimas do próximo só podem provir de algum mal. Ora, todo mal implica falta na participação do sumo bem. Por onde, a caridade nos faz condoermo-nos com o próximo, na medida em que estão impedidos de participar do bem divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As iniquidades são as que fazem uma separação entre nós e Deus, como diz a Escritura. Por onde, a razão de nos condoermos por causa dos nossos pecados passados, ou mesmo pelos dos outros, é esses pecados nos impedirem a participação do bem divino.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Embora no miserável desterro desta vida participemos, de certo modo, do bem divino, pelo conhecimento e pelo amor, essa miséria contudo, impede a participação perfeita desse bem, tal como se dará na pátria. Por onde, essa tristeza mesma que nos leva a chorar, por causa da dilação da glória, constitui um impedimento à participação do bem divino.