O segundo discute-se assim. – Parece que a presunção não é pecado.
1. – Pois, nenhum pecado é razão para o homem ser ouvido por Deus. Ora, a presunção faz certos serem ouvidos por ele, conforme a Escritura: Ouve a esta miserável que te suplica e que presume da tua misericórdia. Logo, presumir da misericórdia divina não é pecado.
2. Demais. – A presunção implica um superexcesso de esperança. Ora, não é possível haver superexcesso na esperança que temos em Deus; pois, o seu poder e a sua misericórdia são infinitos. Logo, parece que a presunção não é pecado.
3. Demais. – O pecado não escusa do pecado. Ora, a presunção o escusa. Pois, como diz o Mestre das Sentenças Adão pecou menos, por haver pecado com esperança de perdão; e isso implica a presunção, segundo parece. Logo, a presunção não é pecado.
Mas, em contrário, a presunção é considerada uma espécie de pecado contra o Espírito Santo.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos relativamente ao desespero, todo movimento aperitivo, que se realiza de conformidade com um intelecto falso é, em si mesmo, um mal e um pecado. Ora, a presunção é um movimento aperitivo, por implicar uma esperança desordenada. Além disso, realiza-se de conformidade com um intelecto falso, como o desespero. Pois assim como é falso, não tenha Deus perdão para os arrependidos, ou não converta os pecadores à penitência, assim também o é conceda perdão aos obstinados no pecado e recompense com a: glória aos que deixaram de praticar boas obras. E é de conformidade com esta opinião que se realiza o movimento da presunção. Logo, a presunção é pecado. Menor porém, que o desespero, e isto na medida mesma em que é mais próprio de Deus ter misericórdia e compadecer-se, por causa da sua infinita bondade, do que punir. Pois ser misericordioso é próprio de Deus por natureza; e punir lhe é por causa dos nossos pecados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A palavra - presumir - toma-se às vezes por - esperar - porque a nossa verdadeira esperança em Deus é considerada como presunção, se for medida pela condição humana. Não o será porém, se atendermos ao imenso da bondade divina.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A presunção não implica em superexcesso de esperança, por esperarmos demasiado em Deus, mas por esperarmos dele o que não lhe convém. E isso também é nele esperar pouco, pois proceder assim é, de certo modo, diminuir-lhe o poder,
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pecar, no propósito de perseverar no pecado, com esperança de perdão, é próprio da presunção; e isso não diminui, mas aumenta o pecado. Porém pecar, na esperança de ser um dia perdoado, com o propósito de abster-se do pecado e arrepender-se dele, não implica presunção, mas diminui o pecado, por indicar termos a vontade menos presa a ele.