Dizemos tudo o que é preciso, ao menos em substância, em relação a Nossa Senhora, quando pronunciamos as duas primeiras invocações da Ladainha: Santa Mãe de Deus, Santa Virgem das Virgens. As palavras Mãe de Deus designam a dignidade única da maternidade divina que situa Nossa Senhora imediatamente depois do Verbo encarnado, seu próprio Filho, acima portanto, de todos os bem-aventurados e de todos os anjos. A precisão Santa, posta antes de Mãe de Deus, nos adverte que Maria foi dignamente preparada para sua missão por uma plenitude de graças e de santidade; que ela preencheu dignamente esta missão com toda consciência e caridade e que fez sua vontade de redenção que lhe manifestara seu Filho desde a visita do arcanjo.
Justamente porque o vocábulo Santa Mãe de Deus vai ao fundo do mistério de Maria, as definições da Igreja a respeito de Nossa Senhora começaram por aí. O Concílio de Éfeso em 431, sob o impulso de São Cirilo, o ilustre patriarca de Alexandria, proclama que Maria é aghia theotocos, sancta Dei genitrix, santa Mãe de Deus; e até o fim do mundo, a segunda parte da Ave-Maria faz eco à definição do terceiro concílio ecumênico: Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós. Este eco não cessará com a consumação dos séculos; ele se repetirá por toda a eternidade, e ressoará para sempre através da multidão sem números de anjos e santos; mas então rogai por nós não terá mais a significação de súplica pois Deus estará todo em nós: traduzirá somente nossa exultação, nosso reconhecimento no tremor sagrado de termos sido salvos e beatificados apesar de nossa capacidade radical de danação: salvos pela Paixão de Cristo e a compaixão de Maria. Ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes.
Assim o título de Santa Mãe de Deus contém de alguma maneira tudo o que cremos sobre Maria; evoca convenientemente todas as riquezas que nela estão. No entanto, a fim de ser mais explícita, a Ladainha acrescenta um segundo título: Santa Virgem das Virgens. Por essa invocação compreendemos melhor a que profundidade e de que maneira a Mãe de Deus é santa. Ela é santa estando toda reservada, toda consagrada a seu Filho para a obra da Encarnação redentora. A reserva de Maria para o Cristo e a maternidade divina é de tal natureza que não somente em sua alma mas também em seu corpo, ela só poderia pertencer a Deus. Na verdade, qualquer homem bem nascido e que não tenha sentimentos baixos ou indignos, a respeito de Deus Santíssimo, não poderia imaginar senão que a Mãe de Deus lhe fosse exclusivamente reservada e consagrada. Virgem antes do parto, Virgem durante o parto, Virgem depois do parto: estas três afirmações do dogma cristão são de soberana conveniência. Para imaginar que não fosse assim era preciso ter de Deus e dos atributos divinos um sentimento bastante vulgar; no fundo seria preciso não ter o senso de Deus, não saber que os procedimentos divinos são todos de honra, de dignidade, de respeito por sua criatura. A dignidade da mãe de Deus exige que ela seja sempre virgem, e não só sempre virgem mas nunca tocada pela sombra do mal a começar pela mal hereditário do pecado original[1].
Assim porque a Mãe de Deus não pode ter outra missão e santidade do que ser Mãe de Deus; porque ela realiza uma tal missão e possui uma tal santidade em toda plenitude, por estas razoes a Mãe de Deus é a Virgem por excelência. Ela está associada a seu Filho e à obra de seu Filho mais do que os doze apóstolos e os maiores santos. Está associada como aquela por quem se realiza os mistérios da Encarnação redentora. Está associada como a que foi capaz de dizer o “Fiat” à vontade do Verbo de Deus de se fazer homem para salvar os homens; para reinar sem fim (e pela cruz) na casa de Jacob. Evidentemente Nossa Senhora é a única criatura cuja associação ao mistério do Filho de Deus encarnado, redentor, atinge esta profundidade e intimidade. E não seria associada a tal ponto se não estivesse totalmente reservada em seu próprio corpo imaculado. Assim dizer Virgem das Virgens que dizer a mesma coisa que plenamente associada.
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A partir daí podemos entrever a utilidade do vocábulo tradicional nova Eva. Foi empregado pelo filósofo São Justino desde o século primeiro; o bispo de Lyon, Santo Irineu[2] por volta do ano 180 explicou-o longamente; mais tarde o povo cristão cantou o Ave Maris Stella.
Sumens illud Ave
Gabrilis ore
Funda nos in pace
Mutans Evae nomen
Os antigos notaram que a saudação de Gabriel, Ave, era o contrário de Eva, nome latino da esposa perfeita que Deus criou para Adão e que devia prevaricar com ele; aquela é nossa primeira mãe, mãe do gênero humano; aquela que nos transmitiu uma vida decaída, ferida, impura em sua fonte.
« Et moi je vous salue, ô premiêre mortelle...
Vous en avez tant mis dans d’augustes linceuls
Pliés sur vos genoux comme des nourissons.
On vous en a tant pris de ces pauvres garçons
Qui marchaient à la mort téméraires et seuls...
Des ces enfants tombés comme des hecatombes,
Offerts a quelque Dieu qui n’est pas le vrai Dieu
Frappés sur quelque autel qui n’est pas holocauste,
Perdus dans la bataille ou dans quelque avant-poste,
Tombés dans quelque lieu qui n’est pas le vrai Lieu [3] ».
Dilacerante lamentação. Mas sabemos, e Péguy sabia como nós, e o cantou em Nossa Senhora de Chartres, que fomos levantados da primeira queda (não sem lutas e sacrifícios, mas verdadeiramente levantados); sabemos que a falta de Eva foi lavada ; na mesma noite do primeiro pecado, Adão e Eva souberam pela boca do Pai que seriam perdoados, eles e sua descendência e que uma filha de sua raça esmagaria a cabeça da serpente. Foi assim que Deus consolou nossa mãe quebrada e destronada, antes mesmo que deixasse o Paraíso de deleitosas árvores. Desde aquele momento, Eva teve a certeza de que o desastre seria reparado, que por uma de suas filhas, num século longíquo ela se tornaria vitoriosa. O nome Eva seria restaurado por Maria. Mutans Evae nomen.
Isto quer dizer que Maria é nossa mãe, mãe de todos os homens, pela regeneração sobrenatural como Eva é a mãe de todos os homens pela geração segundo a carne, o pecado e a morte. Isto quer dizer que na economia da graça e da salvação, a criatura feminina leva precisamente aquilo que tem de mulher, assim como no destino do pecado e da morte a criatura feminina representou um papel particular. Naturalmente Jesus Cristo é o único autor e realizador de nossa salvação. Fora do nome de Jesus não há outro que seja dado aos homens para que sejam salvos. Somente Ele tem poder sobre toda carne, somente Ele age no íntimo de toda liberdade para convertê-la e sem diminuir esse poder, longe de apagar a cooperação humana, Ele a provoca e solicita. Este é um aspecto essencial da conduta de Deus. Longe de dispensar a criatura de agir, Deus lhe comunica a dignidade da causalidade, de modo que, na dependência de Deus, ela dá tudo o que é capaz, até o extremo de seus recursos. Então, ainda que baste Jesus para a redenção do gênero humano e que somente Ele baste, longe de suprimir a cooperação de Maria, a suscita e a sustenta. Esta cooperação de Nossa Senhora, longe de fazer sombra às riquezas da salvação que estão no Cristo, é a mais bela manifestação, o mais magnífico efeito delas. Longe de retirar qualquer coisa das prerrogativas da redenção que são unicamente de Jesus Cristo, a cooperação de Nossa Senhora as faz resplandecer com um brilho novo, tão doce e atraente.
Com efeito, Nossa Senhora só coopera na Encarnação redentora porque este poder lhe foi dado pelo próprio Jesus Cristo. Ela canta no Magnificat: “Meu espírito exulta de alegria em Deus meu salvador. Porque olhou para a humildade de sua serva”.
Deus a olhou não para apagar seu pecado, porém, maravilha infinitamente mais espantosa, para a preservar de todo pecado; olhou-a para avisá-la de sua intenção de salvação no momento em que se tornava seu Filho: olhou-a para nela fazer germinar um amor sem limite de mãe imaculada e de mulher abençoada por essa humanidade perdida da qual Ele se tornava o Salvador. – Em sua misericórdia, ele fez, primeiro, que eu, a pequena serva de meu Deus, me tornasse sua mãe sempre virgem; depois, que os pecadores que crêem nele tornem-se sua Igreja e vivam da vida divina graças à minha união com Ele. Cascatas de maravilhas. Degraus de misericórdia. E a mais alta destas misericórdias é ter feito de mim sua mãe, pedindo ao mesmo tempo minha união para a vida da Igreja.
Sem dúvida, Maria, em sua relação com o Cristo, não é o mesmo que Eva em relação a Adão; Maria, ao contrário de Eva, se acha em total dependência de Cristo; todo seu poder de santidade vem de Cristo. Neste sentido, não se pode falar em paralelismo da primeira e da nova Eva. No entretanto é verdade que Maria é a nova Eva junto ao novo Adão porque, indissoluvelmente e para sempre, lhe está associada na redenção de todos os homens; porque, de fato, não há redenção sem uma tal união da Santa Virgem, porque a dependência total na qual se encontra Maria em relação a seu Filho, longe de afastar sua intervenção não cessa de requerê-la.
Unicamente no caso do Filho de Deus ter nascido de sua mãe sem requerer dela união e cooperação com sua obra de vida é que sua mãe não seria a nova Eva mas esta hipótese, tão contrária aos procedimentos divinos, que estimulam a ação da criatura em vez de negligenciá-la, é igualmente contrária à realidade, ao decorrer histórico do mistério. Desde o momento em que o Verbo se fez carne, com efeito, vemo-lo pedir o consentimento de Maria, não apenas para encanar-se em seu seio, mas fazê-lo com um fim muito preciso: ser, para toda a humanidade, Jesus, que quer dizer Salvador. E o Fiat de Maria vale para a Encarnação do Verbo, mas também para o conjunto do mistério redentor. Por este Fiat ela coopera na nossa regeneração sobrenatural com o coração e o amor de uma mãe, com a ternura e a força de uma mulher, abençoada entre todas. No entanto Jesus devia realizar nossa salvação por um excesso de amor e graça no sacrifício do Calvário. Assim como, para se encarnar em vista de nossa libertação ele quis o Fiat de sua mãe, assim, também, para consumar nossa libertação pela cruz, quis o Stabat de sua mãe. Por este Stabat, pela compaixão sem limite de seu coração doloroso e imaculado, Maria acaba sua cooperação para a nossa redenção com todo seu amor de mãe. Daí por diante, na redenção dos homens, haverá por toda a eternidade esta associação, com Nossa Senhora. Verdadeiramente a nova Eva.
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Perguntam-me o que isto pode mudar ou acrescentar à vida da Igreja, a vida espiritual de cada um de nós. Ora, daí tiramos que nossa vida espiritual, nossa vida segundo a graça será e não pode deixar de ser dependente, em sua própria fonte, desta intervenção maternal; que temos de ter a oração da mulher bendita entre todas na origem de nossa conversão, de nosso crescimento no Cristo e nossa transformação no Cristo.
Já imaginaram de que maneira a Santa Virgem entrou nos sentimentos do Salvador desde o instante da Encarnação até o sacrifício da cruz? Por pouco que se reze a Nossa Senhora ou se recite seu Rosário, adivinha-se que ela participava dos sentimentos do Salvador de maneira diferente da dos apóstolos com a qualidade de inteligência e de amor, a finura de sensibilidade espiritual, o sofrimento e a paz no sofrimento, absolutamente reservados à Virgem das Virgens, à Santa Mãe de Deus. Estas são realidades interiores, mais fáceis de pressentir do que de explicar com razoes demonstrativas. É inadequado formular em linguagem de prosador a tonalidade particular que a mulher introduziu na ordem do coração e da inteligência. E quando se fala de pureza, de reserva, de totalidade no dom de si mesmo, de sentimento sagrado de dependência, de imensa compaixão, quando de tudo isto se tiver falado, estaremos ainda a sugerir de longe a complementaridade da mulher em relação ao homem no domínio espiritual.
Em todo caso, por mais inadequado que seja defini-lo, o espiritual feminino se acha em Nossa Senhora sob sua forma mais bela e mais sublime. E todas as nuances da caridade que marcaram a união de Maria e Jesus durante a vida terrestre esplendem em sua intercessão celeste. Desde então Maria saberá como obter a nossa admissão aos sentimentos de Jesus, um pouco como ela mesma foi admitida; saberá fazer que participemos de seus mistérios com essa simplicidade e total adesão que são a parte reservada da nova Era aos pés do novo Adão.
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Mas então não é o Espírito Santo que nos introduz nos mistérios de Jesus, nos faz entrar nos seus segredos e em seu sacrifício? Não é o Paráclito que nos faz tomar parte na caridade de Cristo e espalha esta caridade em nossos corações? “Muitas coisas ainda tenho a vos dizer mas não as podia suportar agora”, disse Jesus antes da sua Paixão. “Mas o Espírito Santo vos ensinará todas as coisas e vos há de recordar de tudo o que vos tenho dito” (Jo. 16, 12 e 14, 26). É na verdade o Espírito Santo quem nos transforma no Cristo. Mas quem atrai o Espírito Santo para nossa alma? Que oração será bastante adequada ao Deus Santíssimo para fazer que venha o Paráclito em nós e nos dispor seguir suas inspirações? Aspiramos a uma vida desprendida, passada toda ela no mistério de Jesus, entregue a seu Espírito Santo e verdadeiramente mística. Mas este voto é irrealizável sem a prece de Maria. Os textos revelados indicam-no suficientemente. Expõem à luz três ordens de coisas inseparavelmente ligadas: a compaixão de Maria no Calvário; a missão, para a vida das almas, de que foi então investida, o exercício desta missão durante o retiro do Cenáculo, antes de Pentecostes.
Ao pé da cruz de Jesus, manteve-se de pé, Maria sua mãe, tão unida ao sacrifício de seu Filho, tão dolorosa quanto o podia estar esta mãe que é também a Virgem das Virgens; estava de pé, ao lado da cruz, nova Eva ao lado do novo Adão, para a vida sobrenatural da humanidade. “Mulher, eis vosso filho”, lhe diz Jesus, designando S. João, o apóstolo amado. Ora, quarenta dias mais tarde, após a Ressurreição do Salvador e sua Ascensão, Maria se encontrava em oração no Cenáculo com o apóstolo João, os outros apóstolos e as santas mulheres. Então levada, sustentada pela oração de Maria, a súplica deste pequeno grupo fiel obtém para a Igreja que começava e para a Igreja de todos os séculos a efusão superabundante do Espírito Santo. A Igreja, com seu jorrar inesgotável de vida sobrenatural, mas também com seu poder de levantar com pureza as forças da verdadeira civilização, a santa Igreja, esposa sem mancha do Senhor Jesus, nunca teria começado sem a vinda do Espírito Santo; mas o Espírito Santo não teria descido sem a oração de Maria. E a oração de Maria conta com este poder porque Maria está associada à Paixão de Jesus para a vida das almas, como unicamente ele poderia estar. – Este papel de Maria, tão visível em Pentecostes, prolonga-se por toda a história da Igreja e na conversão e na santificação de todo cristão; na instauração e na defesa de toda ordem temporal honesta e digna do Cristo-Rei.
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Observemos agora a maneira pela qual o Espírito do Cristo nos santifica: não nos dota de uma natureza sobressalente, mas penetra de amor todas as forças vivas da natureza que nós temos, todos os recantos, todos os segredos. O Espírito do Cristo modela para nós deste modo, um caráter cristão, um caráter transfigurado pela espiritualidade cristã. Qualquer que seja nossa estrutura natural, se nos entregarmos a este Espírito, não traremos mais as marcas de uma espiritualidade mais ou menos falsa: ou uma espiritualidade mole e flácida, efeminada, que tem pena de si mesma e que se volta finalmente para a traição, baixezas vergonhosas para preservar o eu; ou, ao contrário, endurecida, rígida, uma auto-suficiência feroz, e finalmente uma figura inumana. “Longe de nós os heróis sem humanidade!” O heroísmo que endurece não é o verdadeiro. Em lugar de firmar, no interior do homem, as forças nobres e verdadeiras, seca-se e mata-as; heroísmo sem coração, nem heróico nem cristão.
Quantos homens e mulheres são homens e mulheres no mau sentido da palavra. Tornar-se, pelo Espírito do Cristo um homem ou uma mulher na acepção da palavra, quer dizer, um homem ou uma mulher na verdade da graça, é este o nosso desejo imediatamente, logo que tomamos consciência de nossa regeneração pelo batismo. Mas quem poderá dar-nos, com profundidade suficiente, nossa difícil educação? Uma intuição, uma paciência, uma firmeza como Deus as põe no coração da mulher são indispensáveis. Há nuances que não chegamos a perceber, um modo de fazer que nos escapa, se nos falta uma intervenção maternal; esta palavra dita baixinho, este olhar que atinge imediatamente o segredo do coração, este gesto sem ruído de palavra. Assim, esta ação, esta presença maternal é dada ao batizado e mesmo, misteriosamente, a todo homem que vem a este mundo. A mulher bendita, a Mãe da divina graça, a nova Eva não deixa de se ocupar de nós. Sem dúvida é do Espírito Santo que depende no fundo, nossa educação; nós nos tornamos plenamente filhos de Deus porque somos conduzidos pelo Espírito de Deus (Rom. VIII, 14). Mas a visita do Espírito de Deus é implorada por Maria. Na origem da ação do Espírito durante o tempo que esta ação se prolonga, até estarmos prontos para o Paraíso, a Virgem está presente e não cessa de interceder. Ela o faz de pleno direito, a título soberano, em virtude de sua união com Jesus, desde a Anunciação ao Calvário; ela o faz com este modo próprio de mulher bendita entre todas; com seus incomparáveis dons de educadora, sua maravilhosa aptidão que desperta cada um dos humanos para sua verdadeira vida segundo a graça. Mesmo sem nos dirigirmos especialmente a Maria, ela não deixará de pedir a vinda e a ação do Espírito Santo em nós. Quanto mais forte e mais eficaz sua súplica será se nos voltamos para ela com plena consciência e decisão. Mais ainda, podemos vir a Maria suplicando, com uma vontade firme, que nos faça entrar em seus sentimentos e como que nos colocar em seu coração a fim de aprender por Maria quem é o Cristo e como nos conformamos a Ele. É com o Rosário que tomamos esta atitude. Por ele, certamente, a Virgem Maria fará nossa educação, nos obterá a graça de sermos transformados pelo Espírito de Jesus. (esta ação particular de Maria não se exerce somente na formação de cada um de nós, mas também de maneira análoga na formação das sociedades e sua humanização; tentaremos mostrá-lo em outra ocasião).
Não ignoro o que pode haver de falsidades e falcatruas na devoção a Maria como em outras manifestações da vida espiritual; sei que tal devoto não faz muita honra a nossa Mãe na divina graça; nem pretendo que o recurso a Maria seja infalível para obter para os cristãos que sejam cristãos de caráter. Afirmo somente que este é o recurso normal e mesmo indispensável e seria loucura afastá-lo.
Seria também inépcia não querer que a mãe exista para educação espiritual. Seria sempre o desprezo de um dado elementar: não haveria humanidade se Eva não estivesse ao lado de Adão, nem haveria regeneração sobrenatural da humanidade se a nova Eva não tivesse pronunciado o Fiat, não tivesse aceitado o Stabat, não continuasse para sempre sua intercessão no Paraíso em virtude da Anunciação e da Compaixão.
Tomemo-lo, assim como ele é, o mistério da Encarnação redentora: ele supõe a união inefável da Santa Mãe de Deus a Jesus nosso Salvador. Aceitemos o quanto pudermos e não apenas como um ato de fé fugidio sem nenhuma conseqüência mas na oração prolongada e na disposição habitual de nosso coração, a parte singular de Maria na Encarnação redentora, a parte da criatura feminina extraordinariamente exaltada: Maria é a Santa Mãe de Deus, a Virgem das Virgens, a nova Eva.
Tradução: Anna Luiza Fleichman de Itineraires n° 77.
Permanência n° 138-139, maio-junho de 1980.
Notas:
[1] Alguns raciocinantes observam aqui que essas exigências da santidade de Maria se tomam do ponto de vista do poder ordenado do Senhor Deus, não em consideração do seu poder absoluto. Respondemos que meditamos sobre os mistérios divinos a partir justamente do que Deus ordenou como um fato; a partir de seu poder ordenado; deixando aos espíritos quiméricos a estéril ocupação de fabricar uma teologia romanceada sobre o que Deus poderia ter feito em termos de poder absoluto.
[2] Adversus Haereses, Contre les Heresies, 1. III seção 3, texto, tradução e notas na edição do P. Sagnard O.P. (Ed. Du Cerf, coleção Sourcer Cletiennes). — Ver também Bossuet, Elevações sobre os Mistérios, oitava semana, 2ª e 3ª elevação.
[3] Peguy, Eve, (começo).
“E a vós saúdo, ó primeira mortal...
Vós que tantos pusestes em augustas mortalhas,
Dobradas sobre os joelhos como recém-nascidos.
Que iam para a morte temerários e sós...
Das crianças caídas como hecatombes
A um Deus oferecidas não ao verdadeiro Deus.
Abatidas sobre um altar que não é holocausto,
Caídas em um canto, não no verdadeiro Lugar”.