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Art. 1 – Se não devem entrar em religião senão os exercitados na observância dos preceitos.

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O primeiro discute–se assim. – Parece que não devem entrar em religião senão os exercitados na observância dos preceitos.

1. – Pois, o Senhor deu o conselho de perfeição ao adolescente que disse ter observado os preceitos desde a sua juventude. Ora, toda religião tira de Cristo o seu início. Logo parece não deverem ser admitidos em religião senão os exercitados na observância dos preceitos.

2. Demais. – Gregório diz: Ninguém chega de repente à sumidade; mas, no comum da vida, começa–se pelas pequenas coisas para se chegar às grandes. Ora, as grandes são os conselhos; as menores são os preceitos, destinados o regular a vida comum. Logo, parece não deve ninguém entrar em religião, para praticar os conselhos, que lá não estivesse antes exercitado na observância dos preceitos.

3. Demais. – Assim como as ordens sagradas têm uma certa excelência na Igreja, assim também o estado religioso. Ora, Gregório escreve ao bispo Siágrio e está nas decretais: A elevação às ordens obedece a uma certa ordem; pois, expõe–se à queda quem pretende subir abruptamente ao sumo fastígio, sem passar pelos degraus intermediários. Porque, como sabemos, quando se levantam as paredes de uma casa. deixa–se–lhes secar bem a humidade do material nelas empregado, antes de se lhe sobrepor o peso das traves; do contrário, se antes de solidificadas, receberem a carga da construção, ruirá simultaneamente toda a fábrica. Logo, parece que ninguém deve entrar em religião sem estar exercitado na observância dos preceitos.

4. Demais. – Aquilo da Escritura – Como o menino apartado já do peito da mãe – diz a Glosa: Somos concebidos no ventre da Igreja primeiro quando somos instruídos nos rudimentos da fé; depois, vimos à luz quando regenerados pelo batismo; em seguida somos quase levados pelas mãos da Igreja e amamentados com o seu leite, quando, após o batismo, somos informados pelas boas obras e alimentados com o leite da doutrina espiritual, progredindo assim até que, já crescidos, deixemos o leite materno pela mesa paterna, isto é, de doutrina simples, em que se ensina que o Verbo se fez carne, subamos ao Verbo existente desde o princípio em Deus. E em seguida acrescenta: Ainda há pouco batizados no Sábado Santo, quase levados pelas mãos da Igreja e amamentados com o seu leite, até o pentecostes, tempos em que nenhum dever penoso se nos impõe, não jejuamos, não devemos levantar à meia noite. Depois, confirmados pelo Espírito Santo, quase oblatados, começamos a jejuar e outras práticas difíceis. Mas, muitos pervertem esta ordem, como os heréticos e os cismáticos, que se privam do leite antes do tempo; e por isso perecem. Ora, parece perverterem essa ordem os que entram em religião ou induzem outros a fazê–lo, antes de exercitados na observância mais fácil dos preceitos.

5. Demais. – Devemos passar do anterior para o posterior. Ora, os preceitos vêm antes dos conselhos, como sendo mais gerais e não implicando os conselhos por via de consequência; pois, quem quer que observe os conselhos observa também os preceitos, mas não ao inverso. Ora, a ordem natural é passar do anterior para o posterior. Logo, ninguém deve passar à observância dos conselhos, em religião, antes de haver–se exercitado nos preceitos.

Mas, em contrário, o Senhor chamou à observância dos conselhos ao publicano Mateus, ainda não exercitado na observância dos preceitos. Assim, como lemos no Evangelho, ele, deixando tudo, o seguiu. Logo, não é necessário se exerça um na observância dos preceitos antes de passar à perfeição dos conselhos.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito se colhe, o estado de religião é de certo modo um exercício espiritual para se alcançar a perfeição da caridade; e isso se consegue por meio das observâncias religiosas, que afastam os obstáculos opostos à perfeita caridade. E estes são constituídos por tudo o que prende o afeto do homem às coisas terrenas. Ora, o prender–se o afeto humano às coisas terrenas não só impede a perfeição da caridade mas, ás vezes, faz mesmo perdê–la, quando o homem, apegando–se desordenadamente aos bens temporais, afasta–se do bem eterno pelo pecado mortal. Por onde é claro que as observâncias da religião, assim como arredam os impedimentos à caridade perfeita, assim também nos livram da ocasião de pecar. Pois, é claro que o jejum, as vigílias, a obediência e práticas semelhantes nos livram dos pecados da gula, da luxúria e de muitos outros, Por onde, entrar em religião o podem não somente os exercitados na observância dos preceitos, para chegarem a uma perfeição maior, mas também os que não estão nela exercitados, para mais facilmente evitarem o pecado e alcançarem a perfeição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Jerônimo diz: O adolescente mentiu quando afirmou – eu tenho guardado tudo isso desde a minha mocidade. Se, pois, a ordem do mandamento. – amarás ao teu próximo como a ti mesmo – ele a tivesse realmente cumprido, como se foi embora triste depois de ter ouvido – Vai, vende tudo o que tens e dá o aos pobres? ­ Mas, devemos entender essas palavras como significando, que ele mentiu, relativamente à perfeita observância do referido preceito. Por isso, Orígenes diz: Está escrito o Evangelho segundo os Hebreus, que, quando o Senhor exortou ­ vai, vende tudo o que tens – o rico começou a arrancar os cabelos. E o Senhor lhe tornou: Como dizes – cumpri a lei e os profetas – pois que está escrito na lei – amarás ao teu próximo como a ti mesmo? E eis que muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão, estão metidos na cloaca da miséria, morrendo de fome, enquanto na tua casa nadas na abundância e nem sequer uma migalha lhes dás a eles. E por isso o Senhor, increpando–o, disse: Se queres ser perfeito, vai, etc. Pois, é impossível cumprir o mandamento que ordena – amarás ao teu próximo como a ti mesmo – e ser rico e sobretudo ser dono de tantas propriedades. – O que se deve entender do perfeito cumprimento desse preceito. Pois, de modo imperfeito e comum, é verdade que ele observava os preceitos. Mas, a perfeição consiste principalmente na observância dos preceitos da caridade, como se estabeleceu. – Por isso o. Senhor, para mostrar a perfeição dos conselhos como útil tanto a inocentes como a pecadores, não somente chamou o adolescente inocente, mas também o pecador Mateus. Porém Mateus seguiu a quem o chamava, não porém o adolescente; porque mais facilmente se convertem à religião, os pecadores, que os presumidos da sua inocência; e dos primeiros diz o senhor: os publicanos e as meretrizes vos levarão a dianteira para o reino de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O sumo e o ínfimo são susceptíveis de tríplice acepção, – Primeiro, relativamente ao mesmo estado e ao mesmo homem, E então é claro que ninguém chega à sumidade, de repente; pois, cada um, vivendo retamente, progride durante toda a vida, até chegar à sumidade. – Segundo, relativamente aos diversos estados, E então, não é necessário que quem quer chegar ao estado superior comece pelo inferior; como não é necessário que quem quer ser clérigo primeiro se exerça na vida de leigo. – Terceiro, relativamente a pessoas diversas. E então, é claro que um imediatamente poderá começar não somente do estado mais alto, mas ainda do mais alto grau de santidade, e que constituirá o sumo grau a que outro chegará ao termo da vida. Por isso Gregório diz: Todos sabem com que eminente perfeição Bento começou a vida da graça.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos as ordens sagradas preexigem a santidade; ao contrário, o estado da religião é um certo exercício para se alcançar a santidade. Por isso, o peso das ordens deve se apoiar em paredes já dessecadas pela santidade; ao passo que o peso da religião desseca as paredes, isto é, os homens, do humor dos vícios.

RESPOSTA À QUARTA. – Como resulta manifestamente das palavras da Glosa citada, elas sobretudo se referem à ordem da doutrina, na qual se deve passar do mais fácil para o mais difícil. Por isso, quando diz que os heréticos e os cismáticos pervertem essa ordem, as palavras seguintes mostram claramente que isso se refere à ordem da doutrina. Pois, estas palavras seguintes são: Este declara ter observado a referida ordem, e sob pena de maldição, como se dissesse – não somente fui humilde em todas as mais coisas, mas também na ciência. Porque meus sentimentos eram humildes: primeiro, fui nutrido com o leite, que é o Verbo feito carne; e assim cresci até poder comer o pão dos anjos, isto é, o Verbo que desde o começo estava em Deus. – Quanto ao exemplo aduzido no meio do texto, que aos batizados, de novo, não se impõe o jejum até Pentecostes, mostra que não devem por necessidade ser obrigados ao que é difícil, antes de receberem para tal a inspiração interior do Espírito Santo, afim de abraçarem as dificuldades por vontade própria. Por isso, depois de Pentecostes, após ter recebido o Espírito Santo, a Igreja celebra o jejum. Mas, o Espírito Santo, no dizer de Ambrósio, não é repelido pela idade, não acaba com a morte, não é excluído do ventre materno. E Gregório diz: O Espírito Santo enche de inspiração um pequeno citarista e dele faz um Salmista; enche de inspiração uma criança abstinente e fá–la juiz dos anciãos. Depois acrescenta: O tempo não é necessário para aprender, quando o mestre é o Espírito Santo; toca uma alma e logo ela fica iluminada. E, como diz a Escritura, não está na mão do homem impedir o espírito. E o Apóstolo: Não extingais o espírito. E enfim, a Escritura acusa certo: Vós sempre resistis ao Espírito Santo.

RESPOSTA À QUINTA. – Há uns preceitos principais, quase os fins dos preceitos e dos conselhos, a saber, os da caridade. Aos quais se ordenam os conselhos; não que sem os conselhos não se possam observar os preceitos, mas porque, por meio dos conselhos, são mais perfeitamente observados. Outros preceitos, porém, são secundários, ordenados que são aos preceitos da caridade, como os sem os quais de nenhum modo se podem observar estes últimos. – Assim, pois, a perfeita observância dos preceitos precede intencionalmente, os conselhos, mas às vezes se lhes seguem, na ordem do tempo. Pois, esta é a ordem dos meios relativamente ao fim. ­ Mas os preceitos da caridade, enquanto observados de maneira comum e, semelhantemente, os outros preceitos estão para os conselhos como o comum, para o próprio; porque a observância dos preceitos pode existir sem a dos conselhos, mas não ao inverso. Por onde, a observância dos preceitos, comumente considerada, precede a dos conselhos na ordem de natureza; mas não é necessário também a preceda na ordem do tempo, pois, nada existe genericamente antes de existir especificamente. – Quanto à observância dos preceitos, sem os conselhos, ela se ordena à observância dos preceitos com os conselhos, como a espécie imperfeita, à perfeita; assim, o animal irracional, para o racional. Pois, o perfeito é naturalmente anterior ao imperfeito; porque a natureza, como ensina Boecío, começa pelo perfeito. Mas nem por isso é necessário observarem–se, antes, os preceitos sem os conselhos, depois, com os conselhos; assim como não é necessário ser alguém asno antes de ser homem, ou antes casado, que virgem. Semelhantemente, não é necessário observarem–se primeiro os preceitos no século para depois entrar em religião; tanto mais quanto a vida secular não dispõe para a perfeição da religião, mas ao contrário, a impede.

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