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Arcebispo de ferro, arcebispo de lã

A VIDA E A PERSONALIDADE DE MONS. MARCEL LEFEBVRE

 

Por Dom Bernard Tissier de Mallerais

 

A conferência que transcrevemos a seguir foi dada por Dom Bernard Tissier de Mallerais, um dos quatro bispos da Fraternidade S. Pio X, quando de sua passagem pela nossa Capela de N. Sra da Conceição, em Niterói, R.J., em dezembro de 2003. Dom Tissier é autor da mais completa biografia da vida de Dom Marcel Lefebvre, que foi editada em 2002 pelas Edições Clovis (França), contendo mais de 700 páginas

 

Caros amigos, falarei em Castelhano, pois não conheço Português. Excusez-moi.

 

O tema de minha palestra é a vida de Mons. Lefebvre, nosso venerável Fundador. Mons. Lefebvre viveu de 1905 até 1991. Quase todo o século XX, portanto. Nasceu no norte de França, na cidade de Tourcoing, filho de um industrial, não da siderurgia, como diziam os meios de comunicação ao acusar Mons. Lefebvre de ser um “bispo de ferro”, mas da indústria da lã. Mons. Lefebvre, assim, era um bispo de Lã: um bispo de firmeza e doçura, um bispo de ferro e de lã.

 

O pai de Marcel Lefebvre, René Lefebvre, é um homem de piedade e trabalho. Após a Primeira Guerra Mundial, sua industria encontra-se destruída. Ele a reconstrói e funda três filiais na França — era um homem de empresa. Monarquista, lutava para restabelecer o rei em França: lutava pelo rei e por Cristo Rei. Era um homem de organização metódica e de caráter integral, com princípios claros e cabeça bem formada.

 

Sua mãe, Gabrielle Watine, era filha de empresários do Norte de França, tinha oito filhos. Mas isso não parecia o bastante para essa piedosa enfermeira da Cruz Vermelha, membro da Organização São Vicente de Paulo para a visita dos pobres, e diretora da Terceira Ordem de São Francisco para Mulheres, onde tinha mais de 500 mulheres baixo suas ordens. Era uma mulher de obras.

 

Mons. Lefebvre recebera de sua família um conjunto de traços muito rico: empresa e zelo apostólico, como veremos.

 

Quando jovem, Marcel Lefebvre cursou o Colégio do Sagrado Coração, em Tourcoing, e fez sua primeira comunhão em 1911, aos 6 anos de Idade — uma exceção nestes anos, apesar do decreto do Papa São Pio X de um ano antes que tornava possível a comunhão a meninos desta idade. Ao chegar em casa, o jovem Lefebvre pegou sua mais bela pena e escreveu... ao Papa, para agradecer-lhe. Seus pais, que nada sabiam da correspondência, só vieram a saber dela mais tarde, quando viram o carteiro entregar uma carta de Roma...

 

Aos 16 anos, Marcel Lefebvre se tornou vice-presidente da Congregação de São Vicente de Paulo de seu colégio. E assim, visitava os pobres com sua bicicleta e organizava as visitas de seus companheiros aos pobres bairros da cidade de Tourcoing.

 

Aos 17 anos, já era um homem de organização, já tinha o sentido de comércio, já era um homem prático. Ao fim dos seus estudos secundários, antes das férias da Páscoa, seu professor, o padre Deconinck, disse a todos estudantes: “Atenção! Durante estas férias todos vocês têm de resolver seu futuro: ou aprender alguma ocupação e casar-se para formar uma família católica ou entrar em um Seminário.” Era preciso decidir.

 

“Como decidir coisa tão grande?”, interrogava-se Lefebvre. Aconselhado por sua irmã, pegou sua bicicleta e foi fazer um retiro espiritual com os beneditinos da Abadia de Wisques. Fez o retiro e, de volta a casa, toda sua família correu sobre ele para perguntar-lhe o que o padre havia dito. Ele respondeu: “O padre falou que não tenho a vocação beneditina, pois quero fazer apostolado.”

 

Às vezes sentia-se atraído pela vida austera dos trapistas, pois sempre se admirava em vê-los tão recolhidos e trabalhadores. Pensava que talvez devesse se tornar um simples frade.

 

Foi então com sua bicicleta à Bélgica perguntar ao padre Alphonse, na Abadia trapista São Sixto de Westvleteren, em Poperinghe. Deste padre, que fora sacerdote e missionário no Congo e, por fim, trapista na Bélgica, dizia-se ter o dom de ler os corações. Marcel Lefebvre entrou na Abadia, chamou pelo padre que veio, fixou os olhos nos seus e disse, antes mesmo de ser perguntado: “você tem de se fazer sacerdote!”. Não havia nenhuma hesitação em sua voz.

 

Trata-se de um caso excepcional. Em geral, é preciso rezar muito, meditar muito e decidir-se por si mesmo. Mas, no caso de Mons. Lefebvre, foi uma luz que recebeu do céu. E assim, voltou para casa e avisou seu pai: “Pai, vou tornar-me sacerdote, e, por isso, vou ingressar no seminário de Lille, porque gostaria de tornar-me um pároco no campo, em uma pequena paróquia no campo, com minhas ovelhas, santificando-as e santificando-me”. Seu ideal era viver como um pároco de Ars.

 

Seu pai, porém, disse-lhe que não: “Não, não, não! Teu irmão maior está em Roma, estudando no Seminário, e você também irá para Roma”. Não havia o que discutir: seu pai era o respeitado chefe da família e ele obedeceu. A Providência o levava a Roma, para fazer seus estudos sob a direção segura do célebre padre Henri Le Floch, um homem forte, de princípios fortes.

 

Temos alguns testemunhos do espírito do Padre Le Floch. Quando fez 50 anos de sacerdócio, recebeu cartas dos seus antigos alunos, que lhe escreveram louvando-o. Temos testemunhos muito interessantes de companheiros de Mons. Lefebvre no seminário. Por exemplo, o cônego J. Taillade, diretor do seminário maior de Perpignan, escreveu ao Padre Le Floch: “Eu ainda tenho o entusiasmo dos meus 18 anos, e o devo ao senhor. Pois foi então, no seminário, que recebi os princípios que fazem a alegria de minha vida.” — um seminarista que atribuía sua alegria aos princípios que aprendera! Outro testemunho, do padre Roger Johan, professor no seminário menor de Sées e futuro Bispo, “que alegria ter sido formado a viver fortemente de princípios!”. Outro testemunho, de dom Albert de Saint-Avid, monge beneditino em Solesmes, “o senhor nos ensinou o culto da plena verdade, e o horror pelas verdades diminuídas...”.

 

Mons. Lefebvre nos disse um dia, em conferência espiritual, “tivemos então de escolher: ou abandonar o seminário, se não estivéssemos de acordo; ou permanecer, marchar e entrar no combate”. E acrescentou: “eu penso que toda minha vida sacerdotal foi orientada por esse combate contra o liberalismo.”

 

Que é o liberalismo? Que dizia o padre Le Floch do Liberalismo no seminário francês? Dava o padre uma definição interessante: primeiro, a recusa prática do reinado social de Jesus Cristo. A supressão do governo de Cristo Rei; segundo, a eliminação da Santa Missa; terceiro, a eliminação da vida sobrenatural das almas. Uma definição profética do padre Le Floch, pois foi exatamente isso o que ocorreu no Concílio Vaticano II: a supressão do reinado de Cristo Rei, pela declaração da Liberdade Religiosa; a eliminação da Missa, por sua substituição pela Missa Nova, que é a expressão de uma nova religião; a eliminação da vida sobrenatural nas almas, porque os católicos não vivem mais da graça, não se confessam, não vivem em estado de graça. Conseqüência natural da supressão do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mons. Lefebvre posteriormente tomaria este programa em uma nova ordem. Ou seja: primeiro, a Santa Missa aos fiéis; segundo, a partir da Missa, a partir dos sacramentos, a formação de uma elite católica pela vida da graça; terceiro, a partir desta elite, voltar a coroar Nosso Senhor Jesus Cristo. Eis o programa católico de Mons. Lefebvre.

 

Boa formação, boa formação. O jovem Marcel Lefebvre foi ordenado no ano 1929, e regressou a Roma para fazer o último ano e tornar-se doutor em Teologia. Escreveu então a Mons. Liénart, “Sinto-me chamado para a vida Missionária. O dogma fora da Igreja não há salvação faz com que me preocupe com a salvação dos pagãos”. O Bispo lhe respondeu: “Não, o sr. tem de fazer um ano a serviço da diocese antes de ir-se em missão”. Um ano de penitência, como se dizia.

 

Em 1930, Mons. Lefebvre se apresentou em uma pequena paróquia de pobres operários comunistas, no subúrbio de Lille, para cumprir seu ano de penitência como simples segundo vigário. Tinha então de ir de porta em porta perguntando: “Por que não levam seus filhos para o Catecismo? Ah, não estão casados? Vamos acertas a situação! Ah, são comunistas...”.

 

Um dia um pobre operário estava morrendo e não queria ver nenhum padre. “Nem o segundo pároco, que é jovem?” perguntaram-lhe. “Sim, ele pode vir”. Veio Mons. Lefebvre, ouviu sua confissão, deu-lhe os sacramentos, e o homem morreu católico. Missão entre os operários: uma boa escola para começar a vida de sacerdote.

 

No final de ano, Mons. Lefebvre já tinha tomado muito gosto de seu apostolado com os operários e já tinha se esquecido de sua vocação missionária, de correr as florestas para encontrar os pagãos. Gostava muito de sua paróquia. Mas o irmão mais velho, René Lefebvre escrevia-lhe cartas: “Que fazes aí? Venhas comigo, há muito trabalho por aqui, muitos batismos...”. E Mons. Lefebvre, por fim, decidiu-se a ir por razão de Fé. Pediu autorização a seu Bispo, que o permitiu, e foi a Orly apresentar-se aos padres da Congregação do Espírito Santo, uma congregação de missionários na África. Tornou-se, então, simples noviço no noviciado da Congregação do Espírito Santo em Paris.

 

Normalmente, no fim do ano, os irmãos decidiam sua nomeação no final de ano: “O Sr. é nomeado para Madagascar, o sr. para o Gabão, o sr. para as Antilhas Francesas...”. Contudo, não foi assim para Mons. Lefebvre. Mons. Tardy, o Bispo do Gabão veio em visita no mês de Junho ao Seminário. E quando viu Mons. Lefebvre, que já era um Sacerdote e já estava completamente preparado para África, disse-lhe: “O sr. virá conosco, o sr. sabe?”. Respondeu-lhe Mons. Lefebvre, “Não sei de nada, isto depende do superior geral.” Retrucou o Bispo, “Não, não, o sr. vem, estou certo.”. Que alegria para Mons. Lefebvre, sabia que estaria atuando ao lado de seu irmão. Mas, imediatamente disse-lhe o Bispo: “Tenho a intenção de nomear-lhe professor no Seminário!”. Que decepção: o padre Lefebvre não queria ser professor, não queria ensinar — nunca gostou de ensinar — queria apenas estar com os nativos. Mas, obedeceu, e durante dois anos foi professor do seminário. E, nos quatro seguintes, foi diretor dos seminários maior e menor, de ambos. Todas as classes teve de dar com seu companheiro, o padre Berger — todas as classes eram divididas por apenas dois padres: Filosofia, Teologia, Direito canônico... tudo! E assim, após quase seis anos, Mons. Lefebvre estava completamente esgotado.

 

Uma noite, chamou seu companheiro: “Padre Berger, sinto que estou morrendo, dê-me os últimos sacramentos”. Padre Berger veio, mas lhe deu, ao invés dos sacramentos, um chá, e fez com que recostasse. Na manhã seguinte, percebeu que não morrera, e sim que estava completamente esgotado. Procurou Mons. Tardy e disse: “Estou completamente esgotado, não tenho mais forças”. Respondeu o Bispo: “Vá para a Floresta, e repouse”. Que alegria para Mons. Lefebvre. É disso que gostava: colocou todos seus livros em uma caixa e seguiu levando apenas seu rosário, o breviário e a Bíblia, para seu posto em Ndjolê (Maio, 1938 – Agosto, 1939), o segundo posto em Librevile (Dezembro, 1939 – Agosto, 1940), o terceiro em Donguila (Agosto 1940 – Abril de 1943), o quarto em Lambarene (Abril, 1943 – Outubro, 1945). Era um homem aberto, capaz de discutir todos os temas, e não um Bispo fechado. Em Lambarene, trabalhava o célebre doutor Schweitzer, no hospital que fundara para curar os leprosos. Schweitzer era protestante, mas travara boas relações com Mons. Lefebvre. Os missionários católicos visitavam os doentes em seu hospital, aos quais davam a extrema-unção. Schweitzer vinha tocar órgão domingo em sua Missa — o que é uma coisa permitida.

 

Um dia de Outubro de 1945, Marcel Lefebvre estava visitando os povos no lago do sul de Lambarene, em uma piroga, com alguns moços que o ajudavam, quando um deles fez notar que uma outra piroga da Missão se aproximava. Nela, um homem trazia uma carta para o padre Lefebvre. Aproximou-se e lhe entregou a correspondência: “O Superior Geral da Congregação do Espírito Santo gostaria muito que o padre Lefebvre regressasse para a França para tornar-se reitor do scolasticat de filosofia de Mortain”. Para Marcel Lefebvre era uma catástrofe: chorou, mas obedeceu. Uma vez nos disse que nunca se arrependeu de ter sempre obedecido, pois obedecia à vontade de Deus1

 

Veremos que, em toda sua vida, se meditarmos, Marcel Lefebvre sempre fez o contrário do que queria, sempre fez a vontade de Deus. Não queria ir para o Seminário em Roma, mas foi; não queria ensinar, mas passou toda vida ensinando; não queria deixar a África, mas deixou, obedeceu.

 

Em 1945, recém acabada a Segunda Guerra Mundial, o então padre Lefebvre retornou à França. A Normandia, noroeste da França, estava completamente destruída pela Guerra. A cidade de Mortain, onde estava a casa dos espiritanos, estava em ruínas, em cinzas. Somente ficara de pé a igreja, mas a cidade estava destruída. E assim, Mons. Lefebvre chegou em Mortain, olhou a casa dos espiritanos, não tinha mais vidros nas janelas, pois uma grande bomba havia caído sem se destruir, mas muitos obuses e centenas de projéteis haviam atingido a propriedade. Havia muito que reconstruir. Os seminaristas, mais de 150, passavam fome, pois não havia o que comer. Não havia mais comércio na cidade. Que fazer? Então, cada dia, depois da Missa, o novo reitor do seminário, que era um homem prático, pegava o carro de seu pai — que morrera no campo de concentração de Sonnenburg2 — e corria de fazenda em fazenda, por toda a campanha da Normandia, para tentar conseguir carne, queijo e batatas para seus estudantes, que imediatamente começaram a adorá-lo.

 

Tenho alguns testemunhos dos que então eram seminaristas, que dizem que então, naquele ano, fazia muito frio, mas que não lhes faltou o que comer. Dizem que sentiam que, então, alguém cuidava deles. Sentiam-se amados, e amavam-no em retorno. 

 

Este homem, professor, reitor, tenho esquecido já a África, estava um dia em seu escritório, quando, em junho de 1947, recebeu um telefonema:

 

— Aqui fala o Superior Geral da Congregação do Espírito Santo.

— Às suas ordens.

— Padre, o sr. foi indicado pelo Papa como Vigário-Apostólico de Dakar, Senegal.

— Alo?

— Alo, Padre, é o sr. que eu quero. O sr. foi nomeado Vigário-Apostólico de Dakar!

— (silêncio).

— Alo! Padre?

— Sim! De Dakar. Sim, sim! Meu Deus!

 

*  *  *

 

Senegal, na latitude do deserto do Saara, um país quase totalmente islâmico, muito difícil de se converter, onde Mons. Lefebvre não conhecia ninguém. Foi sagrado Bispo pelo cardeal Liénart, foi a Roma visitar o Papa Pio XII e receber suas ordens, e assim se foi a Dakar, na sua nova função.

 

Durante dois meses, visitou todas as dioceses, todas as missões, sacerdotes, religiosas, congregações missionárias, e por fim disse: “Eu não ficarei aqui, voltarei à França”. “Mas por que?“. “Porque não tenho missionários nem dinheiro”. Voltou à França, conseguiu dinheiro, novos missionários, voltou à África e construiu seu colégio secundário para homens, pois faltava colégios para homens.

 

Neste colégio formou novas vocações e novos pais de famílias. As instituições católicas, não apenas a Santa Missa, são necessárias. Era o método de Mons. Lefebvre. Sempre construía escolas, universidades, para estabelecer o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo3.

 

*  *  *

 

No ano seguinte, em outubro de 1948, Mons. Lefebvre foi nomeado pelo Papa delegado Apostólico para toda a África Francesa4. Teve de nomear quase 40 Bispos. Recolhia dinheiro e o distribuía com muito cuidado, evitando distribuí-lo para os periódicos modernistas. Assim, já na África tinha de combater contra os modernistas, que faziam revoluções em algumas dioceses5.

 

*  *  *

 

Eleito João XXIII, Mons. Lefebvre, após ter sido Bispo em Dakar por 13 anos, não foi mantido na África, mas nomeado para uma pequena Diocese na França, em Tulle. Os conhecidos perguntavam-lhe:

 

— Para onde foi o sr. Nomeado?

— Fui nomeado para Tulle.

— Toul?

— Não, Tulle.

— Para Toulon?

— Não, Tulle!

— Mas Tulle... não existe!

— Existe sim, procure no anuário pontifício. Está lá, Tulle.

 

Que humilhação, uma pequena diocese para um Arcebispo! Aceitou a humilhação, mas ficou em Tulle durante seis meses apenas. Neste período pôde reanimar seus sacerdotes, verdadeiramente desestimulados pela queda de vocações, ocasionada pelo fechamento do seminário no ano anterior. Perguntou aos padres: “Padres, que diriam se eu viesse a visitá-los em suas paróquias?”. Responderam-lhe: “Mons., o sr. nos diz que virá, mas fará como os outros, nós jamais o veremos.” Contudo, na data marcada, viam se aproximar Mons. Lefebvre em seu carro, sozinho, vindo para jantar com os padres, celebrar a Santa Missa, e, no dia seguinte, visitar as escolas, as irmãs e reanimar os sacerdotes.

 

*  *  *

 

Em Junho de 1962, Mons. Lefebvre se viu obrigado a abandonar a diocese de Tulle por ter sido eleito Superior Geral da Congregação do Espírito Santo, Congregação que contava com mais de 5.000 membros, entre sacerdotes e frades. Mas, depois de seis anos de governo na Congregação, não conseguiu impedir que a Revolução — ou seja, a entrada das novas idéias do Concílio Vaticano II — a invadisse, e por isso pediu sua exoneração6

    

Antes disso, como se sabe, Mons. Lefebvre foi um dos chefes da resistência contra o modernismo. O pensador era Dom Antônio de Castro Mayer, Mons. Lefebvre era o realizador. O secretariado, com alguns sacerdotes, preparavam os textos, e, durante a noite, no carro do Superior General, jovens brasileiros percorriam as ruas de Roma para distribuir os conselhos de votação para o dia seguinte. Conselhos para fechar a rota dos modernistas. E assim, durante dois ou três anos, Mons. Lefebvre lutou com sucesso contra os esquemas modernistas.

 

Ora, quando em 1968, após 6 anos de governo de sua Congregação, Mons. Lefebvre pediu sua demissão, sabia bem que jamais receberia outra diocese, pois o Papa Paulo VI o conhecia bem, e não gostava dele. Foi assim que, com 63 anos de idade, Mons. Lefebvre tornou-se um Bispo sem trabalho, um desempregado.

 

Antes de pedir sua demissão, disse ao padre Michael O’Carroll (que visitei em Dublin, Irlanda): “Se um dia não for mais Superior Geral, vou fundar um Seminário Internacional, e, em até dez anos, terei 100-150 seminaristas.” — Foi o que fez.

 

No ano seguinte, em 1969, fundou, com permissão do Bispo de Fribourg, Mons. Charrière, o Seminário São Pio X, e eu fui um dos nove seminaristas que lá ingressaram no dia 13 de Outubro, dia de Nossa Senhora de Fátima.     

 

Ano seguinte, Mons. Lefebvre fundou a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, com a aprovação de Mons. Charrière. Dizia Dom Lefebvre que jamais havia fundado algo sem a permissão do Bispo local, pois esta tinha de ser uma obra da Igreja. Jamais teve idéias pessoais, mas apenas os princípios da Igreja.

 

Contudo, o sucessor de Mons. Charrière, Mons. Mamie, liberal, após cinco anos de existência da Fraternidade, retirou a permissão. Mons. Lefebvre continuou dizendo: não é obra minha, mas é o combate pela Igreja. E prosseguiu no combate até as Sagrações dos 5 Bispos em 1988, para simplesmente continuar a Igreja na confissão inequívoca da Fé Católica.

 

*  *  *

 

Talvez tenha sido da sua formação no seminário, sob a direção do Padre Le Floch, que ele decididamente comprometeu-se com o Combate. Prometeu combater com o Papa e pelo Papa, pela Igreja. Não sabia como, nem quando, mais sabia que um dia teria de combater.

 

A nós, dizia Mons. Lefebvre, que estamos sempre em estado de cruzada. E é nesse estado de cruzada que temos de continuar.  

 

Agradeço pela atenção.

 

  1. 1. [N. da P.] Dom Tissier de Mallerais, escreve em sua biografia sobre o Arcebispo: “Só um missionário pode compreender o despedaçamento [que Mons. Lefebvre sentiu]: após ter dado seu suor e coração à uma terra distante, às almas, fazer-se fango entre os fangos, galoa entre os galoões, ter de abandonar tudo, retornar à França, onde não se queria mais retornar, é duro, muito duro”. Contudo, diz o biógrafo, Mons. Lefebvre, após ler a carta, “rapidamente se restabeleceu e pronunciou seu fiat.” (Marcel Lefebvre, Une vie, pág 146).
  2. 2. [N. da P.] Após ter colaborado corajosamente com os que se opunham aos invasores nazistas, René Lefebvre foi pego e encarcerado pela Gestapo. Sua conduta no cárcere, como nos conta o biógrafo de Mons. Lefebvre, é verdadeiramente heróica, “o frio, a umidade, os furúnculos não conseguiam vencer nem sua piedade — ele rezava sem cessar o terço — nem sua confiança na vitória de sua pátria.” (ibid., pág. 143-144)
  3. 3. [N. da P.] Algumas estatísticas interessantes: “sob o episcopado de Mons. Lefebvre, o número de padres passou de 42 (dos quais 3 eram africanos) para 110 (dos quais 10 eram africanos), o de frades, de 14 (sendo 7 africanos) para 33 (sendo 18 africanos) e o de irmãs, de 120 (das quais 40 eram africanas) para 250 (das quais 60 eram africanas)”. Isso tudo em apenas 13 anos. Como diz o biógrafo, seus resultados foram um forte estimulo para as demais dioceses (ibid, pág. 192).
  4. 4. [N. da P.] A tarefa era enorme, significava ser nomeado representante do Papa em uma diocese, 26 vicariatos e 17 prefeituras apostólicas, numa área que ia do Marrocos e do Saara à Madagascar, passando pela Somália e Camarões de língua francesa — aliava às funções pastorais funções de jurisdição sobre 44 circunscrições eclesiásticas e de relações diplomáticas com o governo francês; a área depende da delegação apostólica de Dakar compreendia quase a metade do continente africano.
  5. 5. [N. da P.] Como delegado Apostólico, Mons. Lefebvre igualou os excelentes resultados obtidos na diocese de Dakar, como se vê nas estatísticas seguintes: entre 1948-1958, o número de batizados por ano aumentou mais de 50%; o número de sacerdotes africanos passou de 244, em 1948, para 455, em 1958. Mas, o principal indício do alto valor de seu trabalho, é esta declaração que Pio XII fez a Mons. Veuillot: “Mons. Lefebvre é certamente o mais eficaz e o mais qualificado dos delegados apostólicos. ” (ibid., pág. 247)
  6. 6. [N. da P.] O resultado da invasão destas novas idéias nos diz o próprio Mons. Lefebvre: “Naquele momento, havia 5.200 membros em nossa congregação; hoje há menos de 4.000 (em 1975). Esse foi o resultado! A ruína pura e simples de nossa Congregação. Entreguei minha demissão porque não queria que a história pudesse dizer que foi Mons. Lefebvre quem arruinou a Congregação”  (v. “Pela Honra da Igreja”, conferência de Mons. Lefebvre)
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