O primeiro discute–se assim. – Parece que não é licito aos religiosos ensinar, pregar nem fazer atos semelhantes.
1. – Pois, há uma determinação do Sínodo de Constantinopla, que estatui: O caráter próprio da vida monástica é a sujeição e a docilidade, própria do discípulo; e não o ensinar, o dirigir nem o apascentar os outros. E Jerônimo também diz: O ofício do monge não é ensinar, mas gemer. E o Papa Leão ordena: Fora dos sacerdotes do Senhor, ninguém ouse ensinar, quer seja monge, quer leigo, embora glorificado pela sua ciência. Ora, não é lícito transgredir o próprio ofício e o estatuído pela Igreja. Logo, parece não ser lícito aos religiosos ensinar, pregar nem praticar atos semelhantes.
2. Demais. – Uma determinação do Sínodo Niceno assim dispõe: Firme e invariavelmente mandamos, que nenhum monge imponha. qualquer penitência a outrem que não for seu irmão em religião, como é justo; que não sepulte nenhum morto, se não for um monge com quem conviva no mesmo mosteiro, salvo se se tratar de um religioso aí surpreendido pela morte, embora de outra religião. Ora, como esses são deveres dos clérigos, assim também o são pregar e ensinar. Ora, como um é ofício do monge e outro, o do clérigo, conforme o ensina Jerônimo, parece não ser lícito aos religiosos pregar, ensinar nem praticar atos semelhantes.
3. Demais. – Gregório diz: Nenhum religioso pode prestar os serviços eclesiásticos e ao mesmo tempo viver regularmente a vida monástica. Ora, os monges estão obrigados a observar fielmente a regra monástica. Logo, não podem prestar os serviços eclesiásticos. Mas, ensinar e pregar são serviços eclesiásticos. Logo, parece que não lhes é lícito pregar nem ensinar ou praticar atos semelhantes.
Mas, em contrário, diz Gregório formalmente o contrário: Pela autoridade deste decreto, que dispomos em virtude da nossa autoridade apostólica e com o fito na piedade! aos sacerdotes monges, representantes das pessoas dos Apóstolos, seja lícito pregar, batizar, dar a comunhão, orar pelos pecadores, impor penitência e perdoar os pecados.
SOLUÇÃO. – De dois modos pode um ato não ser lícito a alguém. – Primeiro, por ter alguma contrariedade com aquele para com quem é considerado ilícito; assim, a ninguém é lícito pecar, porque todos os homens estão em si mesmos obrigados a observar a lei de Deus, à qual se opõe o pecado. E neste sentido se diz não ser lícito pregar ou ensinar ou fazer atos semelhantes, a quem, por si mesmo, repugnam eles, quer em razão de algum preceito – como se dá com os irregulares que, por decisão da Igreja, não podem ascender às ordens sacras – quer por causa do pecado, conforme aquilo da Escritura: Mas ao pecador disse Deus – Por que falas tu dos meus mandamentos? Ora, deste modo, não é ilícito aos religiosos pregar, ensinar e exercer atividades semelhantes. Quer por não estarem obrigados, por voto e preceito de regra, a se absterem de tais atos. Quer também por não se tornarem, por qualquer pecado que hajam cometido, menos idôneos para assim procederem; e, antes, mais Idôneos pelo exercício da santidade, que assumiram.
Ora, é absurdo afirmar que quem foi elevaria a viver uma vida de santidade venha a se tornar menos idôneo para exercer os deveres espirituais. Por onde, é observada a opinião de certos, que consideram o estado religioso, em si mesmo, como um obstáculo à prática dos referidos atos. E esse erro Bonifácio Papa exclui, pelas razões supra–referidas, quando diz: Certos, não apoiados em nenhuma doutrina, mas com grande ousadia e levados, antes de um zelo excessivo que da chama do amor, afirmam que os monges, pelo fato de estarem mortos para o mundo e viverem para Deus, não são idóneos para o exercício dos deveres sacerdotais, não podendo impor penitência, nem administrar o batismo, nem absolver em virtude da faculdade divina conferida para exercer o ofício sacerdotal. Mas esses tais estão absolutamente errados. E isso ele o mostra, primeiro, porque o exercício de tal ofício, no caso vertente, não contraria a regra; e por isso acrescenta: Pois, nem S. Bento, o piedoso instituidor da vida mona cal, de nenhum modo o impediu. Nem, semelhantemente, o proibiu nenhuma das outras regras. Em segundo lugar, refuta o erro em questão, atinente à idoneidade dos monges, quando, no fim do capítulo, acrescenta: Quanto mais perfeito for alguém, tanto mais faculdades terá na referida matéria, isto é, na da atividade espiritual.
Noutro sentido se diz ser ilícito um ato a uma pessoa, não pela existência de nenhuma contrariedade nesta, mas por lhe faltar a capacidade para ele. Assim, não pode o diácono celebrar missa por não ter ordens sacerdotais; não pode o presbítero dar uma sentença por não ter a autoridade episcopal. Mas, neste assunto, devemos distinguir. Pois, os atos lícitos aos que têm a ordem não podem ser permitidos senão aos que a possuem; assim, ao diácono não pode ser permitido celebrar missa, senão quando se tornar sacerdote. A alçada da jurisdição não pode ser cometida aos que não têm a ordem jurisdicional, assim como a prolação de uma sentença não o pode ao simples bispo.
Ora, neste sentido é que se diz não ser lícito ao monge e aos outros religiosos pregar, ensinar e praticar atos semelhantes; porque o estado religioso não lhes dá a faculdade de os praticar. Poderão porém fazê–los se receberem a ordem ou a jurisdição ordinária; ou ainda se lhes for concedido o que é próprio da jurisdição.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Das palavras citadas conclui–se que os monges, pelo fato de o serem, não estão investidos do poder de praticar tais atos; mas não, que o fato de o serem implique nenhuma contrariedade à execução deles.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Também uma disposição do concílio Niceno estatui que os monges não usurpem para si; só pelo fato de o serem, o poder de exercer tais atos; mas não proíbe que esse exercício lhes possa ser conferido.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Estas duas funções não são compatíveis – exercer o ofício ordinário do ministério eclesiástico e viver a vida religiosa num mosteiro. Mas isto não exclui que os monges e os outros religiosos possam às vezes desempenhar deveres eclesiásticos por uma comissão dos prelados, a quem eles incumbem de ordinário; e sobretudo se pertencer o religioso a uma religião especialmente instituída para tal fim, como a seguir se dirá.