O décimo discute–se assim. – Parece que o religioso, num mesmo gênero de pecado não peca mais gravemente que o secular.
1. – Pois, diz a Escritura: O Senhor que é bom será propício para todos os que buscam de todo o seu coração o Senhor Deus de seus pais, e ele não lhes imputará falta de não estarem bem purificados. Ora, parece que os religiosos, mais que os seculares, buscam de todo o seu coração o Senhor Deus de seus pais; pois os seculares dão uma parte de si e de seus bens a Deus e reservam outra para si, como diz Gregório. Logo, parece que menos lhe será imputado ao religioso a falta pela qual se desvie da santificação.
2. Demais. – Quem pratica boas obras Deus se encoleriza menos contra seus pecados; assim, diz a Escritura: Tu dás socorro a um ímpio e jazes liga com os que aborrecem ao Senhor e tu te fizeste digno da ira do Senhor; mas em ti se achavam certas obras boas. Ora, os religiosos fazem maior número de boas obras que os seculares. Logo, se cometerem alguns pecados, Deus se encolerizará menos contra eles.
3. Demais. – Não podemos viver esta vida sem pecado, conforme aquilo da Escritura: Todos nós tropeçamos em muitas coisas. Se, pois, todos os pecados dos religiosos fossem mais graves que os dos seculares, resultaria que a condição deles seria inferior à destes e então de bom conselho não seria a entrada em religião.
Mas, em contrário, o maior mal exige maior penitência. Ora, parece que os pecados dos que vivem no estado de santidade e de perfeição é que exigem maior penitência. Pois, diz a Escritura: O meu coração está jeito em pedaços dentro de mim mesmo; e depois acrescenta: O projeta e o sacerdote se corromperam e na minha casa achei os males que eles lá cometeram. Logo, os religiosos e outros que vivem no estado de perfeição, em igualdade de condição, pecam mais gravemente que os outros.
SOLUÇÃO. – O pecado cometido pelo religioso pode ser mais grave que o da mesma espécie cometido pelo secular, de três modos. – Primeiro, se contrariar o voto de religião, como se fornicar ou furtar; pois, fornicando, procede contra o voto de continência e, roubando, contra o de pobreza, e não somente contra o mandamento da lei divina. – Segundo, se pecar por desprezo, porque então será mais ingrato para com os divinos benefícios, que o sublimaram ao estado de perfeição. Por isso, diz o Apóstolo, que maiores tormentos merece o fiel que, pecando, por desprezo pisar aos pés o Filho de Deus. Donde a queixa do Senhor, na Escritura: Donde vem que aquele que eu amo cometeu tantas maldades na minha casa? – De terceiro modo, o pecado do religioso pode ser maior por causa do escândalo, porque muitos trazem as vistas voltadas para a vida dele. Donde o dizer o Senhor: Nos profetas de Jerusalém vi semelhanças de adúlteros e caminhos de mentira; e fortificaram as mãos dos malvadíssimos para que se não convertesse cada um da sua malícia.
Mas se o religioso, não por desprezo, mas, por fraqueza ou ignorância cometer um pecado não contrário ao voto da sua profissão, e sem escândalo, por exemplo, às ocultas, peca, num mesmo gênero de pecado, mais levemente que o secular. Porque o seu pecado, sendo leve, fica como absorvido pelas muitas boas obras que pratica, e, sendo mortal, mais facilmente dele se levanta. – Primeiro, pela sua intenção, que traz elevada para Deus e que, embora por momentos interrompida, volta a ser facilmente o que era. Por isso, àquilo da Escritura – Quando cair não se ferirá – diz Orígenes: O ímpio, depois de ter pecado, não se arrepende e não sabe emendar o seu pecado. Ao contrário, o justo sabe emendá–la, sabe corrigi–lo. Assim, aquele que disse – não conheço esse homem – pouco depois, fitado pelo Senhor. soube chorar amargamente. E aquele que por um postiço vira uma mulher e a desejara, soube dizer: Pequei e fiz o mal na tua presença – Além disso o religioso tem companheiros que o ajudam o levantar–se, conforme e diz a escritura: Se um cair o outro o susterá Ai! do que está só, porque quando cair não tem quem o levante.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O lugar citado se refere aos pecados cometidos por fraqueza ou ignorância; mas não aos cometidos por desprezo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Também Josafá, a quem foram dirigidas as palavras referidas, pecou, não por malícia, mas por uma fraqueza de afeto humano.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Os justos não pecam facilmente por desprezo; mas se às vezes resvalam nalgum pecado, é por ignorância ou fraqueza, e dele facilmente se levantam. Mas se porventura pecarem por desprezo, tornam–se os piores e os mais incorrigíveis, segundo a Escritura: Tu quebraste o meu jugo, rompeste os meus laços e disseste – não servirei. Porque, semelhante a uma mulher impudica, te prostituta: em todo o outeiro elevado e debaixo de toda árvore frondosa. Donde o dizer Agostinho: Desde que comecei a servir ó Deus, dificilmente ache homens melhores que os que o servem nos mosteiros; mas também não achei piores que os que nos mosteiros pecam.