O sexto discute–se assim. – Parece que a perfeição religiosa não exige os votos de pobreza, continência e obediência.
1. – Pois, a disciplina reguladora da perfeição nos foi dada pelo Senhor. Ora, o Senhor, ao dar a forma da perfeição, disse: Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens e dá–o aos pobres, sem fazer menção nenhuma do voto. Logo, parece que o voto não é exigido pela disciplina religiosa.
2. Demais. – O voto consiste numa certa promessa feita a Deus; por isso na Escritura o Sábio, depois de ter dito – Se fizeste algum voto a Deus, trata de o cumprir logo – acrescenta imediatamente: Porque lhe desagrada a promessa infiel e imprudente. Ora, quando se dá alguma coisa não é preciso fazer a promessa de dá–la. Logo, basta à perfeição religiosa praticarmos a pobreza, a continência e a obediência, sem voto.
3. Demais. – Agostinho diz: O que há de mais grato nos nossos deveres é darmos por amor o que tínhamos a liberdade de não dar. Ora, o que fazemos, sem voto, poderíamos não o fazer; o que não se dá quando o fazemos por voto. Logo, parece mais grato a Deus praticar a pobreza, a continência e a obediência, sem voto. Portanto, a perfeição religiosa não requer o voto.
Mas, em contrário, na Lei Antiga os Nazarenos se santificavam com o voto, como se lê na Escritura: Quando um homem ou uma mulher fizerem voto de se santificar e se quiserem consagrar ao Senhor, etc. Os quais significam, como o diz a Glosa, os que chegam ao sumo grau da perfeição. Logo, a perfeição da religião requer o voto.
SOLUÇÃO. – Os religiosos por natureza. vivem no estado de perfeição, como do sobredito se colhe. Ora, o estado de perfeição obriga às coisas da perfeição. As quais por um voto é que as fazemos a Deus. Ora, é manifesto, pelo que ficou dito, que a perfeição da vida cristã exige a pobreza, a continência e a obediência. Por onde, o estado de religião requer essa tríplice obrigação por meio do voto. Por isso diz Gregório: Dar tudo o que temos, toda a nossa vida e todos os nossos prazeres a Deus onipotente, por meio de um voto, é fazer um holocausto; e em seguida diz ser isso pertinente aos que abandonaram o século presente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Senhor disse que levaria uma vida perfeita quem o seguisse, não de qualquer modo, mas de modo a não voltar atrás. Por isso disse: Nenhum que mete a sua mão ao arado e olha para trás é apto para o reino de Deus. E embora um de seus discípulos voltasse atrás, contudo Pedro, quando o Senhor lhe interrogou Quereis vós outros também retirar–vos – respondeu pelos outros: Senhor, para quem havemos de ir? O que comenta Agostinho: Como o nosso Mateus e Marcos, Pedra e André, sem puxarem suas barcas para terra, como se tivessem de voltar a elas, seguiram–no como lhe obedecendo à ordem. Ora, essa constância em seguir a Cristo firma–a o voto. Por onde, a vida religiosa requer o voto.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A perfeição religiosa exige como diz Gregório, que cumpramos o voto feito a Deus. Ora, o homem não pode consagrar a Deus toda a sua vida, atualmente, pois não a vive ele toda ao mesmo tempo, mas sucessivamente. Por onde, o homem não pode consagrar toda a sua vida a Deus senão pela obrigação do voto.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Dentre o mais que nos é lícito dar a outrem, está também a nossa liberdade, para nós mais cara do que tudo. Por onde, quem espontaneamente e por um voto se priva da liberdade de se ocupar com outras coisas, que não sejam o serviço divino, pratica um ato agradabilíssimo a Deus for isso; diz Agostinho: Não te arrependas de ter jeito um voto; ao contrário, alegra–te por já não te ser lícito o que em teu detrimento te teria sido. Feliz necessidade, que obriga ao melhor.