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Art. 2 – Se alguém pode ser perfeito nesta vida.

O segundo discute–se assim. – Parece que ninguém pode ser perfeito nesta vida.

1. – Pois, diz o Apóstolo: Quando vier o que é perfeito, abolido será o que é em parte. Ora, nesta vida não será abolido o que é em parte; pois, durante ela perduram a fé e a esperança, que são em parte. Logo, ninguém nesta vida é perfeito.

2, Demais. – Perfeito é aquilo a que nada falta, como diz Aristóteles. Ora, ninguém há nesta vida a quem não falte alguma coisa, conforme a Escritura: Todos nós tropeçamos em muitas causas. E noutro lugar: Os teus olhos me viram quando era imperfeito. Logo, ninguém é perfeito nesta vida.

3. Demais. – A perfeição da vida cristã, como se disse, se funda na caridade, que compreende o amor de Deus e o do próximo, Ora, quanto ao amor de Deus, ninguém pode tê–lo nesta vida com perfeita caridade, pois, como diz Gregório, o fogo do amor, que já começa a arder nesta vida, mais ainda se acenderá quando virmos aquele mesmo a quem amamos. Nem quanto ao amor do próximo, pois, não podemos nesta vida amar todos os próximos atualmente embora os amemos habitualmente: e esse amor habitual é imperfeito. Logo, parece que ninguém pode ser perfeito nesta vida.

Mas, em contrário, a lei divina não exige de nós nenhuma impossibilidade. Exige porém a perfeição, segundo o Evangelho: Sê de perfeito como também vosso Pai celestial é perfeito. Logo, parece possível sermos perfeito nesta vida.

SOLUÇÃO. – Como dissemos a perfeição da vida cristã se funda na caridade. Ora, a perfeição implica uma certa universalidade, pois, como diz Aristóteles, perfeito é aquilo a que nada falta. Por onde, podemos distinguir três sortes de perfeição. Uma absoluta, fundada numa totalidade, não só por parte do amante, mas também por parte do ser amado, isto é, a pela qual Deus é amado tanto quanto é amável. Ora, essa perfeição a nenhuma criatura é possível, mas cabe só a Deus, que é o bem integral e essencial.

Outra é a perfeição fundada na totalidade absoluta por parte de quem ama; isto é, quando o seu afeto, com todas as suas forças, tende sempre e atualmente para Deus. E essa perfeição não é possível nesta vida, mas haverá na pátria.

A terceira é a perfeição não fundada na totalidade por parte do ser amado nem na totalidade por parte do amante, pela qual este buscaria a Deus sempre e atualmente. Mas é a que exclui o movimento do amor que leva para Deus; assim, diz Agostinho, que o veneno da caridade é a cobiça, sendo a perfeição a ausência de toda cobiça. Ora, essa perfeição podemos tê–la nesta vida. E de dois modos. – Primeiro, quando excluirmos do nosso afeto tudo o que contraria a caridade, como é o pecado mortal. E sem essa perfeição não pode existir a caridade; e portanto, é de necessidade para a salvação. – Segundo, excluindo do nosso afeto não só o que é contrário à caridade mas também tudo o que nos impede o afeto do coração de se dirigir totalmente para Deus. E sem esta perfeição não pode haver a caridade, como não há nos principiantes e nos proficientes.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo, no lugar citado, se refere à perfeição da pátria, não possível nesta vida.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os nesta vida considerados como perfeitos diz a Escritura, que tropeçam em muitas coisas, por causa dos pecados veniais, resultantes das misérias da vida presente. E por aí são de certo modo imperfeitos, relativamente à perfeição da pátria.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como o estado da vida presente não se compadece com a nossa tendência sempre e atual para Deus, assim também não se compadece com o amar atual e singularmente cada próximo. Basta porém, amarmos a todos em geral e cada um habitualmente e pela preparação do nosso coração, mas também no amor ao próximo podemos, como no amor de Deus, fundar uma dupla perfeição. Uma é a que não pode existir sem a caridade, de modo que não depositemos o nosso afeto em nada de contrário ao amor do próximo. A outra é a sem a qual a caridade não pode existir. E essa tem um tríplice aspecto. – O primeiro é o da extensão do amor, de modo que não somente amemos os amigos e os conhecidos, mas também os estranhos e, ulteriormente, os inimigos; o que, como diz Agostinho, é próprio dos perfeitos filhos de Deus. O segundo é o da intenção, revelada no que desprezamos, por amor do próximo; de modo que desprezemos por amor dele não só os bens exteriores, mas, ainda os sofrimentos do corpo e, ulteriormente, a morte, segundo a Escritura: Ninguém tem maior amor do que este, de dar um a própria vida por seus amigos. – O terceiro é o efeito da dileção, de modo que sacrifiquemos ao amor do próximo não só os benefícios temporais, mas também os espirituais e, além deles, a nossa própria pessoa, segundo aquilo do Apóstolo: Eu de muito boa vontade darei o meu e me darei a mim mesmo pelas vossas almas.

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