O sétimo discute–se assim. Parece que a contemplação não produz prazer.
1. – Pois, o prazer pertence à potência apetitiva. Ora, contemplação sobretudo reside no intelecto. Logo, parece que a contemplação não produz o prazer.
2. Demais. – Toda contenção e toda luta impede o prazer. Ora, a contemplação implica contenção e luta. Assim, diz Gregório, que a alma, no seu afã de chegar à contemplação de Deus, trava um como combate em que, ora, se exalça, quando goza alguma coisa do prazer de inteligir e sentir o lume incircunscrito; ora, sucumbe porque desfalece depois de ter assim gozado. Logo, a vida contemplativa não traz consigo o prazer.
3. Demais. – O prazer resulta da operação perfeita, como diz o Filósofo. Ora, a contemplação desta vida é imperfeita, segundo o Apóstolo: Nós agora vemos como por um espelho, em enigmas. Logo, parece que a vida contemplativa não produz o prazer.
4. Demais. – Uma lesão corpórea impede o prazer. Ora. a contemplação pode produzi–la. Assim, como lemos na Escritura, Jacó, depois de ter dito: Eu vi a Deus face a face – coxeava do pé porque tocou o nervo da sua coxa e ficou entorpecido. Logo, parece não haver prazer na vida contemplativa.
Mas, em contrário, da contemplação da sabedoria diz a Escritura: A sua conversação nada tem de desagradável nem a sua companhia nada de fastidioso, mas o que nela se acha é satisfação e prazer. E Gregório diz, que a vida contemplativa, toda amável, é cheia de doçura.
SOLUÇÃO. – Uma contemplação pode ser deleitável de dois modos. – Primeiro, em razão do próprio operante. Pois, a cada um é agradável a operação que lhe convém à natureza própria ou ao hábito. Ora, contemplar a verdade convém ao homem pela sua natureza mesma, como animal racional. Donde vem que todos os homens por natureza desejam saber, e por consequência se comprazem no conhecimento da verdade. O que ainda se torna mais deleitável a quem tem o hábito da sabedoria e da ciência, que tornam fácil a contemplação. – De outro modo, a contemplação se torna deleitável por parte do objeto, quando contemplamos uma coisa amada; e como também se dá na visão corpórea, tornada deleitável, não só porque já o seja o ato mesmo de ver, mas pelo se ver uma pessoa amada. Ora, como a vida contemplativa sobretudo consiste na contemplação de Deus, a que nos move a caridade, como se disse, daí resulta que na vida contemplativa o prazer promana não só da contemplação mesma, mas também do amor divino. – E sob este duplo aspecto, o prazer inerente à contemplação excede todos os prazeres humanos. Pois, de um lado, o prazer espiritual é superior ao carnal, como demonstrámos quando tratamos das paixões. E, de outro, o amor mesmo com o qual amamos a Deus pela caridade excede todo outro amor. Por isso, a Escritura diz: Gostai e vede quão suave é o Senhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora a vida contemplativa essencialmente existe no intelecto, tem contudo o seu princípio no afeto, enquanto que a caridade nos leva à contemplação de Deus. E como o fim corresponde ao princípio, daí vem que também o termo e o fim da vida contemplativa promanam do afeto, pois, nós nos deleitamos com a visão da coisa amada e, por sua vez, o prazer causado pela coisa vista provoca o amor. Por isso, diz Gregório que vendo aquele mesmo a quem amamos, mais nos incendemos no seu amor. E esta é a perfeição última da vida contemplativa não só contemplarmos a verdade divina mas também amá–la.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A contenção ou o combate proveniente da contrariedade da coisa exterior impede nos deleitarmos com ela, pois, ninguém se compráz com aquilo contra o que luta. Mas quando, em igualdade de circunstâncias, alcançamos aquilo pelo que lutámos, mais com isso nos deleitamos; assim, diz Agostinho, que quanto maior foi o perigo na luta, tanto maior será a alegria do triunfo. Ora, da verdade contemplada não resulta, por qualquer contrariedade nossa com ela, nenhuma contenção e nenhuma luta; senão só por deficiência da nossa inteligência e da corruptibilidade do nosso corpo, que nos arrasta para as coisas inferiores, segundo a Escritura: O corpo que se corrompe faz pesada a alma e esta morada terrestre abate o espírito, que pensa muitas coisas. Donde vem que, quando chegamos ao conhecimento da verdade, mais ardentemente a amamos; e ao contrário, mais odiamos a nossa própria deficiência e o peso do nosso corpo corruptível, e somos levados a dizer com o Apóstolo: Infeliz homem eu, quem me livrará do corpo desta morte? Por isso diz Gregório: Deus, quando o conhecemos pelo desejo e pelo intelecto, purificar–nos–á de todo o prazer da carne.
RESPOSTA A TERCEIRA. – A contemplação de Deus nesta vida é imperfeita, comparada com a da pátria; do mesmo modo, o prazer da contemplação desta vida é imperfeito comparado com o da contemplação da pátria, da qual diz a Escritura: Fá–los–ás beber na torrente das tuas delícias. Mas, a contemplação das causas divinas, nesta vida, embora imperfeita é contudo mais agradável que qualquer outra contemplação por mais perfeita que seja, por causa da excelência do objeto contemplado. Por isso diz o Filósofo: As nossas teorias são fracas relativamente a essas nobres e divinas substâncias; mas, embora o que delas conhecemos seja pouco, contudo, a elevação mesma desse conhecimento nos causa um prazer maior que tudo o mais que ele possa abranger. E o mesmo ensina Gregório: A vida contemplativa é muito amável e cheia de doçura, exalça a alma acima de si mesma, abre–nos os tesouros celestes e torna patente o mundo espiritual aos olhos da alma.
RESPOSTA À QUARTA. – Jacó depois da contemplação coxeia de um pé para significar que, debilitados pelo amor do século devemos convalescer para o amor de Deus como diz Gregório; e assim, depois de termos conhecido a suavidade de Deus, um dos nossos pés permanece são enquanto que o outro claudica. Ora, todo aquele que claudica de um pé se arrima ao outro, que conserva são.