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Art. 3 – Se o incontinente peca mais que o intemperante.

O terceiro discute–se assim. – Parece que o incontinente peca mais que o intemperante.

1. – Pois, peca alguém tanto mais gravemente quanto mais age contra a consciência, conforme o Evangelho: Aquele servo que soube a vontade de seu senhor e não obrou conforme a sua vontade, dar–se–lhe–hão muitos açoites. Ora, parece que o incontinente age contra a consciência própria, mais que o intemperante; pois, como diz Aristóteles, o incontinente, apesar de saber que é o mau o que deseja, contudo age levado pela paixão; ao passo que o intemperante julga bom o que deseja. Logo o incontinente peca mais gravemente que o intemperante.

2. Demais. – Quanto mais grave é um pecado parece tanto menos facilmente remediável; por isso, os pecados contra o Espírito Santo, que são os gravíssimos, consideram–se irremissíveis. Ora, o pecado da incontinência parece mais incurável que o da intemperança. Pois, um pecado se sana pela advertência e correção do pecador: Ora, isto de nada adianta ao incontinente que, apesar de saber que procede mal, continua a fazê–lo; ao contrário, ao intemperante, como lhe parece que procede bem, a advertência pode–lhe produzir algum bom resultado. Logo, parece que o incontinente peca mais gravemente que o intemperante.

3. Demais. – Quanto maior for a lascívia com que alguém pecar, tanto mais gravemente terá pecado. Ora, o incontinente peca com maior lascívia que o intemperante; pois, aquele nutre concupiscências veementes, as quais nem sempre existem no último. Logo o incontinente peca mais que o intemperante.

Mas, em contrário, a impenitência agrava todos os pecados, por isso Agostinho diz, que ela é um pecado contra o Espírito Santo. Ora, como diz o Filósofo, o intemperante não é susceptível de arrependimento, pois persevera na sua eleição; ao passo que todo incontinente é capaz de arrependimento. Logo, o intemperante peca mais gravemente que o incontinente.

SOLUÇÃO. – O pecado, segundo Agostinho, depende sobretudo da vontade; pois, pela vontade é que pecamos e vivemos retamente. Logo, onde houver maior inclinação da vontade para pecar, aí haverá mais grave pecado. Ora, a vontade do intemperante se inclina ao pecado pela sua eleição própria, procedente de um hábito adquirido pelo costume; ao passo que a vontade do incontinente inclina–se a pecar levada por uma paixão. E como a paixão logo passa, enquanto que o hábito é uma qualidade, dificilmente removível, daí resulta que o incontinente logo se arrepende desde que a paixão se desvaneceu; o que se não dá com o intemperante, o qual, ao contrário, regozija–se por ter pecado, porque a prática do pecado se lhe tornou conatural, pelo hábito. Por isso, dele diz a Escritura: Que se alegram depois de terem feito o mal e triunfam de prazer nas piores coisas. Por onde é claro, que o intemperante é muito pior que o incontinente, como também diz o Filósofo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A ignorância da inteligência às vezes precede à inclinação do apetite e a causa. E então, quanto maior for a ignorância, tanto mais diminui o pecado, ou ti escusa totalmente, se causar o involuntário. De outro modo e inversamente, a ignorância da razão resulta da inclinação do apetite. E essa ignorância, quanto maior for, tanto mais grave tornará o pecado; porque mostra o quanto maior é a inclinação do apetite. A ignorância, porém, tanto do incontinente como do intemperante, provém da inclinação do apetite para um certo objeto, quer por paixão, como no incontinente, quer por hábito como no intemperante. Mas, isso causa ignorância maior no intemperante que no incontinente, – E, primeiro, quanto à duração. Porque, essa ignorância do incontinente só dura enquanto dura a paixão; assim como um acesso de febre terçã dura enquanto dura a comoção do humor. Ao passo que a ignorância do inteperante perdura tenazmente, por causa da permanência do hábito; por isso, o Filósofo a compara à tísica ou a uma doença crônica. – Mas, de outro modo, é maior a ignorância do intemperante, relativamente ao que ele ignora. Pois, a ignorância do incontinente recai sobre um bem particular elegível; por exemplo, quando se trata de saber se deve fazer, em tal caso, tal eleição. Ao passo que o intemperante ignora o fim mesmo, pois, julga um bem deixar–se levar pelas concupiscências sem freio. Donde o dizer o Filósofo, que o incontinente é menor  que o intemperante, pois nele se salva o princípio por excelência, isto é, a reta estimação do fim.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Para a emenda do incontinente não basta só o conhecimento, mas é lhe ainda necessário o auxílio interior da graça, que mitiga a concupiscência. Ao que ainda se lhe acrescenta o remédio exterior da advertência e da correção, que o leva a resistir à concupiscência, tornando–a assim fraca, como dissemos. E por esses mesmos modos pode também emendar–se o intemperante.– Mas, a sua emenda é mais difícil, por duas razões. – Primeiro, por causa da sua razão transviada na estimação do fim último, que exerce a função do principio, nas ciências demonstrativas. Pois, mais dificilmente se reduz à verdade quem erra quanto ao princípio; e, semelhantemente, na ordem operativa, quem erra relativamente ao fim. – Depois, por causa da inclinação do apetite, que, no intemperante, sendo habitual, dificilmente se domina; ao passo que a inclinação do incontinente vem da paixão, de mais fácil repressão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A lascívia da vontade, que aumenta o pecado, é maior no intemperante que no incontinente, como do sobredito resulta. Mas, a lascívia da concupiscência do apetite sensitivo é às vezes maior no incontinente; pois ao passo que este não peca senão arrastado por uma intensa concupiscência, o intemperante também peca levado por uma débil concupiscência, e mesmo às vezes a previne. Por isso, o Filósofo diz, que mais censurável é o intemperante, que sem concupiscência e calmamente, isto é, com fraca concupiscência, corre na busca dos prazeres. Pois, que faria se nele estuasse a concupiscência juvenil!

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