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Art. 2 – Se a incontinência é pecado.

O segundo discute–se assim. – Parece que a incontinência não é pecado.

1. – Pois, como diz Agostinho, ninguém peca pelo que não pode evitar. Ora, ninguém pode por si mesmo evitar a incontinência, conforme aquilo da Escritura: Sei que doutra maneira não possa ter continência; se Deus ma não der. Logo, a incontinência não é pecado.

2. Demais. – Todo pecado parece fundar–se na razão. Ora, no incontinente o juízo da razão fica paralisado. Logo, a incontinência não é pecado

3· Demais. – Ninguém peca por amar veementemente a Deus. Ora, a veemência do amor divino pode nos tornar incontinente; assim, segundo Dionísio, Paulo, por incontinência do amor divino exclamou: Vivo eu, mas já não eu. Logo, a incontinência não é pecado.

Mas, em contrário, o Apóstolo enumera a incontinência entre os pecados, quando diz: Caluniadores, incontinentes, desumanos, etc. Logo, a incontinência é pecado.

SOLUÇÃO. – A incontinência pode ser considerada sob tríplice aspecto. – Primeiro, em sentido próprio e absoluto. E assim, a incontinência tem como matéria a concupiscência dos prazeres do tato, como a intemperança, segundo já dissemos ao tratarmos da continência. E, neste sentido, a incontinência é pecado, por duas razões: Primeiro, porque o incontinente infringe regra racional; e depois, porque se rebolca em certos prazeres torpes. Donde o dizer o Filósofo, que a incontinência é censurável não só como pecado, isto é, por infringir a regra racional, mas também como uma certa malícia, porque o incontinente se deixa levar por baixas concupiscências. – De outro modo, a incontinência pode ser considerada em sentido próprio, como a que faz o homem afastar–se da razão reta, não porém absolutamente falando. Por exemplo, quando não observamos o modo racional no desejar as honras, as riquezas e bens semelhantes, bons, em si mesmos considerados, e que não constituem por si matéria de incontinência, senão só relativamente, como dissemos, ao tratar da continência. E então a incontinência é pecado, não porque nos entreguemos às baixas concupiscências, mas por não termos observado o modo racional devido, ao desejarmos coisas em si mesmas desejáveis. – Num terceiro sentido o objeto da incontinência não o é propriamente, mas só por semelhança, como quando, por exemplo, consiste na concupiscência de coisas de que o não podemos usar mal, como por exemplo, a das virtudes. Pois, em relação a estas, podemos dizer que alguém é incontinente por semelhança; porque, assim como o incontinente é totalmente levado pela má concupiscência, assim pode alguém ser totalmente levado pela boa concupiscência, cuja regra é a razão. E, uma tal incontinência não é pecado, mas está incluída na perfeição da virtude.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O homem pode evitar o pecado e fazer o bem, não contudo sem o auxílio divino, conforme àquilo do Evangelho: Sem mim não podeis fazer nada. Por onde, o facto de precisarmos do auxílio divino, para sermos continente, não impede que a incontinência seja pecado; pois, como diz Aristóteles, o que podemos por meio dos amigos podemos, de certo modo, por nós mesmos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – No incontinente o juízo da razão fica paralisado; não necessariamente, o que escusaria do pecado, mas por uma certa negligência do sujeito, não de todo firme a resistir à paixão, em obediência ao juízo da sua razão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe, quando se trata da incontinência por semelhança e não da propriamente dita.

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