O terceiro discute–se assim. – Parece que o martírio não é um ato da máxima perfeição.
1. – Pois, parece que o que constitui a perfeição é matéria de conselho e não de preceito, por não ser de necessidade para a salvação. Ora, o martírio parece necessário à salvação, conforme a Escritura: Com o coração se crê para alcançar a justiça; mas com a boca se faz a confissão para conseguir a salvação; e noutro lugar: Nós devemos dar a nossa vida pelos nossos irmãos. Logo, o martírio não é um ato de perfeição.
2. Demais. – Parece que constitui maior perfeição o dar alguém a alma por Deus, pela obediência, do que lhe dar, pelo martírio, o próprio corpo. Por isso, Gregório diz, que, por direito, a obediência é preferível às vítimas. Logo, o martírio não é ato da máxima perfeição
3. Demais. – Parece melhor sermos útil aos outros do que nos conservarmos a nós mesmo no bem; porque o bem geral é melhor que o bem de um só, segundo o Filósofo. Ora, quem sofre o martírio só a si é útil; ao contrário, quem ensina aproveita a muitos. Logo, o ato de ensinar e de dirigir os inferiores é mais perfeito que o ato do martírio.
Mas, em contrário, Agostinho prefere o martírio à virgindade, estado próprio da perfeição. Logo, parece que o martírio implica a perfeição máxima.
SOLUÇÃO. – De dois modos podemos considerar um ato de virtude. – Primeiro, na sua espécie, relativamente à virtude da qual é ilícito. Ora, neste sentido, o martírio, que consiste em sofrer a morte, quando necessário, não pode ser o mais perfeito dos atos de virtude. Porque sofrer a morte não é, em si mesmo, digno de louvor, mas só enquanto ordenado a um bem, por exemplo, o da fé ou o do amor de Deus, que são atos da virtude. Por onde, esse ato de virtude, sendo o fim, é melhor. – O outro aspecto por que podemos considerar o ato de virtude é o relativo ao seu motivo, primeiro, que é o amor de caridade. E por este lado, sobretudo, é que um ato contribui para a perfeição da vida, segundo o Apóstolo, quando diz que a caridade é o vínculo da perfeição. Ora, o martírio, dentre todos os atos virtuosos, é o que mais demonstra a perfeição da caridade. Pois, mostramos o nosso amor por uma coisa tanto mais quanto desprezamos, por ela, outra que muito amamos, ou aceitamos sofrer por ela um padecimento que fortemente nos repugna. Ora, é manifesto, que de todos os bens presentes o que mais amamos é a vida; e, ao contrário, o que mais odiamos é a morte, sobretudo quando acompanhada de dolorosos tormentos corporais, o medo dos quais faz até mesmo os brutos deixarem os maiores prazeres, como diz Agostinho. Por onde é claro que, dentre todos os atos humanos, o martírio é genericamente o mais perfeito, como prova máxima da caridade, segundo o Evangelho: Ninguém tem maior amor do que este, de dar um a própria vida por seus amigos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÃO. – Não há nenhum ato de perfeição, que seja de conselho, que não possa, eventualmente, vir a ser matéria de preceito, como de necessidade para a salvação. Assim, diz Agostinho, quando a necessidade nos obriga a observar a continência por ausência ou doença da esposa. Portanto, não é contra a perfeição do martírio se, num determinado caso, for de necessidade para a salvação. Há porém circunstâncias em que não é necessário, para salvar–se, sofrê–lo; tal o caso, que lemos muitas vezes, de certos mártires que, por zelo da fé e por fraterna caridade, espontaneamente se ofereceram ao martírio. Pois, os referidos preceitos devem ser entendidos no que concerne à preparação da alma.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O martírio supõe o que pode haver de mais elevado na obediência, que é obedecer até à morte, como diz, de Cristo, a Escritura: Feito obediente até à morte. Por onde, é claro que o martírio, em si mesmo, é mais perfeito que a obediência, absolutamente considerada.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A objeção colhe relativamente ao martírio, como ato de uma determinada espécie, que não o torna mais excelente do que todos os atos virtuosos; assim como também a coragem não é a mais excelente de todas as virtudes.