O segundo discute–se assim – Parece que o martírio não é um ato de coragem.
1. – Pois, martyr em grego significa testemunha. Ora, o testemunho é dado à fé de Cristo, conforme a Escritura: E me sereis testemunhas em Jerusalém, etc. E Máximo (Taurin.) diz num sermão: A mãe do martírio é a fé católica, à qual subscreveram com o seu sangue ilustres atletas. Logo, o martírio é, antes, um ato de fé do que de coragem.
2. Demais. – Os méritos de um ato sobretudo pertencem à virtude que nos leva a praticá–lo, que o manifesta e sem a qual nada vale. Ora, é sobretudo a caridade que inclina ao martírio; por isso, diz Máximo num sermão: A caridade de Cristo vence nos seus mártires. E também a caridade se manifesta principalmente pelo ato do martírio, segundo o Evangelho: Ninguém tem maior amor do que este, de dar um à própria vida por seus amigos. Demais, o martírio nada vale sem a caridade, segundo o Apóstolo: Se entregar o meu corpo para ser queimado, se todavia não tiver caridade, nada disto me aproveita. Logo, o martírio é antes um ato de caridade do que de coragem.
3. Demais. – Agostinho diz: É fácil celebrar a honra de um mártir; mas, difícil. imitar lhe a fé e a paciência. Ora, em todo ato virtuoso louvamos, sobretudo a virtude a que o ato pertence. Logo, o martírio é, antes, um ato de paciência do que de virtude;
Mas, em contrário, diz Cipriano: ó felizes mártires, com que louvores vos celebrarei? Ó soldados fortíssimos, com que vozes cantarei a força do vosso peito? Ora, cada um merece louvores pela virtude cujos atos pratica. Logo, o martírio é ato de coragem.
SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, é próprio da coragem conformar–nos no bem da virtude, sobretudo contra os perigos, principalmente contra os perigos de morte, máxime os da guerra. Ora, é manifesto que, no martírio, somos solidamente confirmados no bem de virtude, por não desertarmos da fé e da justiça, para fugir ao perigo iminente de morte; perigo de que também ameaçam o mártir os perseguidores, num combate particular. Por isso, Cipriano diz: A multidão dos presentes contemplava admirada o certame celeste, dos servos de Cristo, firmes no combate, livres no falar, incorruptos na alma, de virtude divina. Por onde, é manifesto que o martírio é um ato de coragem. Por isso, diz a Igreja, dos mártires: Fizeram–se fortes na guerra.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. – Dois elementos devemos considerar no ato de coragem. Um, o bem em que o forte é confirmado, e esse é o fim da coragem. Outro, a firmeza mesma que nos leva a não cedermos aos obstáculos que se nos opõem na consecução à esse bem; e nisto consiste a essência da coragem. Ora, assim como a coragem civil nos confirma a alma na justiça humana, para praticar a qual afrontamos os perigos da morte, assim também a coragem gratuita confirma–nos a alma no bem da justiça de Deus, infundida pela fé de Jesus Cristo, na frase do Apóstolo. E assim, o martírio está para a fé como para o fim em que sermos confirmados: e para a coragem, como para o hábito eficiente.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A caridade inclina por certo ao ato do martírio, como o motivo primeiro e principal, a modo de virtude imperante; mas, a coragem, como o motivo próprio, a modo de virtude eficiente. Donde vem que o martírio é um ato de caridade, como virtude imperante; da coragem, porém, como eficiente. Por isso também ela manifesta uma e outra virtude. Mas, o ser meritório, o martírio o tem da caridade, como qualquer ato de virtude. Logo sem caridade, não tem valor.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos, o ato principal da coragem é resistir ao ataque o que é próprio do martírio; ao qual porém, não é próprio o ato secundário da coragem, que é atacar. E como a paciência coopera com o ato principal da coragem, que é resistir ao ataque, daí vem que, concomitantemente, louvamos a paciência dos mártires.