O segundo discute–se assim. – Parece que a epiquéia não faz parte da justiça.
1. – Pois, como do sobre dito resulta, há duas espécies de justiça – a particular e a legal. Ora, a epiquéia não faz parte da justiça particular, porque se aplica a todas as virtudes como também à justiça legal. Do mesmo modo, não faz parte da justiça legal, porque procede fora do que foi determinado por lei. Logo, parece que a epiquéia não faz parte da justiça.
2. Demais. – Uma virtude mais principal não pode ser considerada parte da menos principal ; assim, das virtudes cardiais, como principais, dependem as secundárias, como partes. Ora, a epiquéia parece virtude mais principal que a justiça, como o próprio nome o indica; pois, vem de epi, isto é, sobre, e dikaion, isto é, justo. Logo, a epiquéia não faz parte da justiça.
3. Demais – Parece que a epiquéia é o mesmo que a modéstia. Pois, quando o Apóstolo diz – A vossa modéstia seja conhecida de todos os homens em grego lê–se epieikeia em lugar do latim – modéstia. Ora, segundo Túlio, a modéstia faz parte da temperança. Logo, a epiquéia não faz parte da justiça.
Mas, em contrário, diz o Filósofo: O que tem a epiquéia é uma espécie de justo.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, toda virtude tem três partes: a subjetiva, a integrante e a potencial. A parte subjetiva é à que essencialmente é atribuído o todo, e é menos do que ele. O que pode dar–se de dois modos. Assim, às vezes a vários sujeitos se faz uma atribuição, segundo uma mesma noção, como no caso de animal ser predicado do cavalo e do boi. Outras vezes, a predicação é feita primariamente de um, e secundariamente, de outro, como quando ente o é, da substância e do acidente. Por onde, a epiquéia faz parte da justiça geralmente considerada e é uma certa justiça, como diz o Filósofo. Portanto, é claro que a epiquéia é parte subjetiva da justiça. E a ela se atribui a justiça antes de se atribuir à justiça legal; pois, a justiça: legal é dirigida pela epiquéia. Por onde, a epiquéia é uma como regra superior dos atos humanos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A epiquéia corresponde propriamente à justiça legal, estando compreendida nela, de certo modo e, de certo outro, excedendo–a. Se considerarmos a justiça legal como a que nos faz obedecer à lei, quer à sua letra, quer à intenção do legislador, que lhe é superior, então a epiquéia é a parte mais importante da justiça legal. Se, porém considerarmos, como justiça legal só a que nos faz obedecer às palavras da lei, então à epiquéia não faz parte dessa justiça, mas, da justiça considerada em sentido geral, que se divide, por oposição, da justiça legal, como o que excede a esta.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como diz o Filósofo, a epiquéia é melhor que uma certa justiça, a saber, a legal, que nos manda obedecer à letra da lei. Contudo, como é de certo modo justiça, não é melhor que qualquer justiça.
RESPOSTA À TERCEIRA. – É próprio da epiquéia introduzir moderação na obediência à letra da lei. Ao passo que a modéstia, considerada como parte da temperança, modera a vida exterior do homem, quanto ao andar, ao vestir e causas semelhantes, Pode, porém ter–se dado que os Gregos transferissem, por uma certa semelhança, o nome de epiquéia para significar toda espécie de moderação.