O primeiro discute–se assim. – Parece que a epiquéia não é uma virtude.
1. – Pois, nenhuma virtude destrói outra. Ora, a epiquéia destrói outra virtude, eliminando o justo legal, e parece opor–se à severidade. Logo, a epiquéia não é uma virtude.
2. Demais. – Agostinho diz: Embora os homens julguem das leis temporais, quando as instituem, contudo, uma vez instituídas e confirmadas, já não será lícito julgar delas, mas, julgar por elas. Ora, parece que a epiquéia julga a lei, quando estabelece que não deve ser observada num determinado caso. Logo, a epiquéia é antes vício que virtude.
3. Demais. – Parece próprio da epiquéia nos fazer atender à intenção do legislador, como diz o Filósofo. Ora, só ao chefe pertence interpretar a intenção do legislador. Por isso, diz o Imperador, mima constituição: Só a nós compete e é lícito examinar a interpretação interposta entre a equidade e o direito, Logo, o ato da epiquéia não é lícito, e portanto, a epiquéia não é uma virtude.
Mas, em contrário, o Filósofo a considera como virtude.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, quando tratamos das leis, os atos humanos, que as leis devem regular, são particulares e contingentes e podem variar ao infinito. Por isso, não é possível instituir nenhuma lei que abranja todos os casos; mas, os legisladores legislam tendo em vista o que sucede mais frequentemente. Contudo, é contra a igualdade da justiça e contra o bem comum, que a lei visa observá–la em certos casos determinados. Assim, a lei determina que os depósitos sejam restituídos, porque tal é justo na maioria dos casos; mas, pode acontecer que seja nocivo, num caso dado. Por exemplo, se um louco, que deu em depósito uma espada, a exija no acesso da loucura; ou se alguém exija o depósito para lutar contra a pátria. Nesses casos e em outros semelhantes é mau observar a lei estabelecida; ao contrário, é bom, pondo de parte as suas palavras, seguir o que pede a ideia da justiça e da utilidade comum. E a isso se ordena a epiquéia, a que nós chamados equidade. Por onde é claro que a epiquéia é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A epiquéia não se afasta do justo em si; mas do que é determinado por lei. Nem tão pouco se opõe à severidade, que segue a verdade a lei, no que é necessário; mas, no que não o é, seria vicioso segui–la. Por isso, diz o Código: Não há dúvida que procede contra a lei aquele que, obedecendo–lhe às palavras, vai contra a vontade do legislador.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Julga da lei quem diz que não foi bem feita. Mas, quem diz que a sua letra não deve ser observada num caso dado, dela não julga, mas, de um ato particular ocorrente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A interpretação tem lugar nos casos duvidosos; nos quais não é ilícito, sem determinação do príncipe, afastar–se das palavras da lei. Ao contrário, nos casos manifestos é necessária não a interpretação, mas, a execução.