O segundo discute–se assim. – Parece que a idolatria não é pecado.
1. – Pois, não há pecado em nada do que a verdadeira fé aplica ao culto de Deus. Ora, a verdadeira fé usa de certas imagens para o culto divino; assim, no tabernáculo havia imagens dos querubins, como se lê na Escritura; e nas igrejas colocam imagens que os fiéis veneram. Logo, a idolatria ou culto dos ídolos não é pecado.
2. Demais. – Devemos reverenciar a todos os nossos superiores. Ora, os anjos e as almas dos santos são–nos superiores. Logo, não haverá pecado em reverenciá–los, cultuando–os com sacrifícios ou cerimônias semelhantes.
3. Demais. – O Deus sumo deve ser adorado pelo culto interno da mente, segundo àquilo do Evangelho: Em espírito e verdade é que devem adorar a Deus os que o adoram. E Agostinho diz, que nós adoramos a Deus pela fé, pela esperança e pela caridade. Ora, pode alguém cultuar os ídolos exteriormente sem contudo divorciar–se da verdadeira fé interior. Logo, parece que se pode, sem prejuízo do culto divino, prestar culto externo aos ídolos.
Mas, em contrário, a Escritura: Não as adorarás, isto é, exteriormente, nem lhes darás culto, isto é, interior, como expõe a Glosa, referindo–se às figuras e imagens. Logo, é pecado prestar culto externo ou interno aos ídolos.
SOLUÇÃO. – Duas espécies de erros se cometeram nesta matéria. – Assim, uns julgaram devido e em si mesmo bom oferecer sacrifícios e outros atos de latria, não só ao Deus sumo, mas também aos demais seres supra referidos, porque pensavam se deve prestar reverência divina a qualquer natureza superior, como mais próxima de Deus. – Mas esse modo de pensar é irracional. Pois, embora devamos reverenciar a todos os nossos superiores, não devemos fazê–lo a todos do mesmo modo. Assim, ao Deus sumo, que excede por uma excelência singular a todos os seres, é devido o culto especial de latria. Nem vale explicar, como alguns, que esses sacrifícios visíveis convêm aos outros deuses, ao passo que o sumo Deus, melhor que eles, é credor de nossas melhores homenagens, que são as do espírito. Pois, como diz Agostinho, os sacrifícios externos são sinais dos internos, como as palavras pronunciadas são sinais das coisas. Pelo que, assim como quando oramos e louvamos, dirigimos as palavras que pronunciamos aquele a quem oferecemos, no nosso coração, as coisas mesmas que elas significam, assim também, quando sacrificamos pensamos que o sacrifício visível não deve ser oferecido senão aquele a que devemos nos oferecer a nós mesmos, em nosso corações, como sacrifício invisível.
Outros, porém pensaram que o culto exterior de latria não deve ser prestado aos ídolos, como um ato em si mesmo bom ou ótimo, mas como conforme ao costume vulgar. Assim, Agostinho cita o dito seguinte de Séneca: Adoraremos de modo a nos lembrarmos que este culto está de acordo mais com o costume do que com a realidade. E o próprio Agostinho: Não devemos buscar a religião nos filósofos, que professavam as mesmas práticas religiosas que o povo e divulgavam, nas escolas, diversas e contrárias opiniões a respeito da natureza dos seus deuses e da do sumo Deus. E esses mesmos erros também professaram certos heréticos (Helcesaitas) afirmando não andar mal quem, apanhado em tempo de perseguição, prestasse culto externo aos ídolos, contanto que conservasse a fé no coração. Pois, isto é manifestamente falso. Porque, sendo o culto externo o sinal do interno, assim como é mentira perniciosa afirmar com palavras o contrário da verdadeira fé, que professamos de coração, assim também é perniciosa falsidade prestar culto externo a alguém contra o nosso sentimento íntimo. Por isso, Agostinho diz contra Séneca, que tanto mais condenavelmente cultuava os ídolos quanto levava o povo a crer que fazia sinceramente aquilo que mentirosamente praticou.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nem no tabernáculo ou templo da lei antiga, nem atualmente nas igrejas admitem–se imagens para lhes prestarmos o culto de latria. Mas, pela significação que encerram, isto é, para que, mediante tais imagens, na mente dos homens se imprima e confirme a fé na excelência dos anjos e dos santos. – Salvo a imagem de Cristo à qual, em razão da divindade, é devido o culto de latria, como se dirá na Terceira parte.
RESPOSTA À SEGUNDA E À TERCEIRA. – As respostas resultam claras, daquilo que foi dito.