Skip to content

Art. 4 — Se em Deus só há quatro relações reais, a saber, a paternidade, a filiação, a espiração e a processão.

O quarto discute-se assim — Parece não haver em Deus senão quatro relações reais, a saber, a paternidade, a filiação, a espiração e a processão.
 
1. — Pois, há a considerar em Deus as relações da inteligência com o inteligido e da vontade com o objeto querido; que são relações reais, nem se contém nas supra mencionadas. Logo, não há em Deus somente quatro relações reais.
 
2. Demais. — Admitem-se relações reais em Deus, quanto à processão inteligível do Verbo. Ora, as relações inteligíveis se multiplicam ao infinito, como diz Avicena1. Logo, há em Deus infinitas relações reais.
 
3. Demais. — As idéias existem em Deus abeterno, como se disse2. Nem se distinguem entre si senão relativamente ao seu objeto, segundo foi dito3. Logo, em Deus há muitas relações eternas.
 
4. Demais. — A igualdade, a semelhança e a identidade são relações e em Deus existem abeterno. Logo, nele existem abeterno mais revelações que as supra mencionadas.
 
Mas, em contrário, parece que são menos. Pois, segundo o Filósofo, o mesmo caminho de Atenas a Tebas é o de Tebas a Atenas4. Logo, pela mesma razão, idêntica é a relação entre o Pai e o Filho, chamada paternidade, e a entre o Filho e o Pai, chamada filiação. E assim não há em Deus quatro relações.
 
Solução. — Segundo o Filósofo, toda relação se funda ou na quantidade, como a que há entre o duplo e o meio; ou na ação e na paixão5, como a existente entre um agente e o seu ato, entre o senhor e o escravo, e outras. Ora, em Deus não existindo quantidade, pois, é grande, sem quantidade, como diz Agostinho6, resulta que nele relação real só pode existir fundada na ação. Não porém em ações que causem em Deus uma processão extrínseca,; pois, as relações de Deus com as criaturas, nele não estão realmente, como dissemos7. Por onde, as relações reais, só se podem admitir em Deus mediante ações que causem nele uma processão interna e não, externa. Ora, processão dessa natureza só há duas, como dissemos8; uma, fundada na ação do intelecto, que é a processão do Verbo; outra, na da vontade, que é a do Amor. E, segundo qualquer delas é necessário admitir duas relações opostas: uma, a do que procede do princípio, e outra, a do próprio princípio. A processão do Verbo se chama geração, na sua noção própria, pela qual convém aos seres vivos. Ora, a relação do princípio da geração, nos seres vivos perfeitos, se chama paternidade; e a do que procede do princípio, filiação. Porém a processão do Amor não tem nome próprio, como dissemos9 e, portanto, nem as relações que nela se fundam. Chama-se contudo espiração à relação do princípio desta processão, e à do procedente, processão. Embora esses dois nomes pertençam às próprias processões ou origens, e não às relações.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Nos seres em que diferem o intelecto e o inteligido, a vontade e o seu objeto, pode haver relação real entre a ciência e a coisa sabida, a vontade e a coisa querida. Mas em Deus, são absolutamente idênticos o intelecto e o inteligido, pois, inteligindo-se, tudo intelige; e pela mesma razão nele se identificam a vontade e a coisa querida. Por onde, tais relações em Deus não são reais, como não são as que existem entre duas identidades. Real é, contudo, a relação com o Verbo, compreendendo-se este como coisa inteligida; assim, quando inteligimos uma pedra, o que o intelecto concebe, da coisa inteligida, se chama verbo.
 
Resposta à segunda. — As relações inteligíveis multiplicam-se em nos ao infinito, pois por um ato inteligimos a pedra, e por outro, essa relação, ainda por outro, esta última, e assim ao infinito se multiplicam os atos de inteligir e, por conseqüência, as relações inteligidas. O que não se dá com Deus, que por um só ato tudo intelíge.
 
Resposta à terceira. — As relações são ideais, como inteligidas por Deus. Donde, da pluralidade delas se não segue que haja muitas em Deus, mas que Ele conhece muitas.
 
Resposta à quarta. — A igualdade e a semelhança não são em Deus relações reais, mas apenas de razão, como depois se verá10.
 
Resposta à quinta. — Embora o caminho de um termo para outro seja o mesmo que em sentido inverso, contudo as relações são diferentes. Por isso, daí não se pode concluir que seja a mesma relação entre o Pai e o Filho e reciprocamente. Mas poderíamos concluir tal, de um meio termo absoluto que porventura houvesse entre eles.

  1. 1. Metaph., tract. III, c. 10.
  2. 2. Q. 15, a. 2.
  3. 3. Ibid.
  4. 4. III Physic., c. 3.
  5. 5. V Metaph., c. 15.
  6. 6. Contra Epist. Manichaei, c. 15.
  7. 7. Q. 28, a. 1, ad 3; q. 13, a. 7.
  8. 8. Q. 27, a. 5.
  9. 9. Q. 27, a. 4.
  10. 10. Q. 42, a. 1 ad 4.
AdaptiveThemes