Skip to content

Art. 2 – Se é conveniente orar.

O segundo discute–se assim. – Parece que não é conveniente orar.

1. – Pois, parece necessária a oração para darmos a conhecer as nossas necessidades aquele a quem pedimos. Ora, como diz a Escritura, vosso Pai sabe que tendes necessidade de todas estas cousas. Logo, não é conveniente orar a Deus.

2. Demais. – A oração dobra o espírito, a quem oramos, a fazer o que lhe pedimos. Ora, o espírito de Deus é imutável e inflexível, conforme aquilo da Escritura: Mas o triunfador em Israel não perdoará e nem se dobrará pelo arrependimento, Logo, não é conveniente orarmos a Deus.

3. Demais. – É mais liberal dar a quem não pede do que a quem pede; pois, no dizer de Seneca, nada compramos mais raro do que aquilo que compramos pedindo. Ora, Deus é liberalíssimo. Logo, não parece conveniente orarmos a Deus.

Mas, em contrário, o Evangelho: Importa orar sempre e não cessar de o fazer.

SOLUÇÃO. – A respeito da oração três erros se cometeram. – Uns, ensinando que as cousas humanas não são regidas pela divina providência, consequentemente concluíam que é vão orar e de qualquer modo prestar culto a Deus. E desses diz a Escritura: Dissestes: Vão é o que serve a Deus. – A segunda opinião ensina que todas as cousas, mesmo as humanas, realizam–se necessariamente, quer pela imutabilidade da divina providência, quer pela necessidade imposta pelas estrelas, quer ainda, pela conexão das cousas. E estes também excluem a utilidade da oração. – A terceira opinião é a dos que admitem serem as cousas humanas regidas pela providência divina e que não se produzem necessariamente; mas dizem também que a disposição da providência divina é variável e pode mudar–se pelas orações e pelo mais que pertence ao culto divino. – Ora, todas essas opiniões já foram refutadas no Primeiro Livro. Por onde, devemos fundar a utilidade da oração de modo que nem imponhamos necessidade às cousas humanas sujeitas à divina providência, nem julguemos mutável a disposição divina.

Para evidenciá–lo devemos considerar, que a divina providência não só dispõe a realização dos efeitos, mas também as causas que os produzirão e a ordem em que hão de produzir–se. Ora, entre as outras causas também os atos humanos o são, de certos efeitos. Donde, hão de os homens praticar certos atos, não, para com eles mudarem a disposição divina, mas para produzirem determinados efeitos, de acordo com a ordem estabelecida por Deus. E o mesmo se dá com as causas naturais, passando também cousa semelhante com a oração. Pois, não oramos para mudarmos a disposição divina, mas, para impetrarmos o que Deus dispôs que se deveria cumprir pela oração; a saber, que os homens, pedindo, mereçam receber o que o Deus Onipotente determino–o, nos séculos eternos, haver de nos dar, como diz Gregório.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não é necessário fazermos oração a Deus para lhe manifestarmos as nossas necessidades; mas, para que nós mesmos consideremos que, nelas, devemos recorrer ao auxílio divino.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Como se disse, a nossa oração não visa mudar a disposição divina, mas obter, pelas nossas preces, o que Deus determinou.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Deus nos faz muitas cousas, mesmo sem lh'as pedirmos, pela sua liberalidade. Mas é para nossa utilidade que quer nos fazer outras, a nosso pedido; isto é, para termos confiança de recorrer a ele e o reconhecermos autor dos nossos bens. Donde o dizer Crisóstomo: Considera quanta felicidade te foi concedida, quanta glória atribuída: confabularmos com Deus mas nossas orações; entrarmos em colóquio com Cristo: pedir o que queres, o que desejas.

AdaptiveThemes