O segundo discute–se assim. – Parece que os recém–nascidos no estado de inocência teriam o uso perfeito da razão.
1. Pois, se agora as crianças não têm o uso perfeito da razão, é que a alma é agravada pelo corpo. O que então não se daria, conforme a Escritura: o corpo, que se corrompe, jaz pesada a alma. Logo, antes do pecado e da corrupção dele resultante, os recém–nascidos teriam o uso perfeito da razão.
2. Demais. – Certos animais, logo depois de nascidos, tem o uso de alguma indústria natural; assim, o cordeiro imediatamente foge do lobo. Por onde, muito mais forçosamente, os homens, no estado de inocência, logo depois de nascidos, teriam o uso perfeito da razão.
Mas, em contrário, a natureza procede, em todos os seres gerados, do imperfeito para o perfeito. Logo, as crianças não teriam, desde o princípio, o uso perfeito da razão.
SOLUÇÃO. – Como resulta do que foi dito antes, o uso da razão depende, de certo modo, do uso das virtudes sensitivas. Por onde, travados os sentidos, e impedidas as virtudes sensitivas interiores, o homem não tem o uso perfeito da razão, como bem se vê nos adormecidos e nos frenéticos. Ora, as virtudes sensitivas, sendo virtudes de órgãos corpóreos, impedidos que sejam os seus órgãos, necessariamente lhes hão de ficar impedidos os atos e, por consequência, o uso da razão. Mas, como nas crianças tais virtudes. ficam impedidas por causa da nímia umidade do cérebro, elas não têm o uso perfeito da razão, como não têm o dos demais membros. E por isso elas, no estado de inocência, não teriam o uso perfeito da razão, como o haveriam de ter na idade pefeita. Tê–le–iam, contudo, mais perfeito que agora, quanto ao que lhes dizia respeito, no sobredito estado, semelhantemente ao que se disse antes sobre o uso dos membros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O agravó proveniente da corrupção do corpo consiste em que o uso da razão fica impedido também em relação ao que é próprio ao homem, em qualquer idade.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Também os brutos não têm o uso perfeito da indústria natural, imediatamente, desde o princípio, como o tem depois. E isso bem se vê nas aves, que ensinam os filhos a voar; e o mesmo se nota nos outros géneros de animais. Mas no homem há um impedimento especial, resultante da abundância da umidade do cérebro, como antes se disse.