O primeiro discute–se assim. – Parece que o primeiro homem não foi criado em graça.
1. – Pois, a Escritura, distinguindo Adão de Cristo, diz: Foi feito o primeiro homem Adão em alma vivente, o último Adão em espírito vivificante. Ora, a vivificação de Cristo vem da graça. Logo, é próprio de Cristo ter sido feito em graça.
2. Demais. – Agostinho diz, que Adão não leve o Espirito Santo. Ora, quem tem a graça tem o Espírito Santo. Logo, Adão não foi criado em graça.
3. Demais. – Agostinho diz: Deus ordenou a vida dos anjos e a dos homens de modo que, nela, primeiro mostrasse o poder do livre arbítrio deles; em seguida, o poder do beneficio da sua graça e o juízo da justiça. Portanto, primeiro fez o homem e o anjo só com a liberdade do arbítrio natural; e depois conferiu–lhes a graça.
4. Demais. – O Mestre das Sentenças diz: Ao homem, na criação lhe foi dado auxilio com o qual podia subsistir, mas não progredir. Ora, quem tem a graça pode progredir, pelo mérito. Logo, o primeiro homem não foi criado em graça.
5. Demais. – Para receber a graça é necessário o consentimento da parte de quem recebe; pois assim se consuma um como matrimônio espiritual entre Deus e a alma. Ora, consentimento para a graça não pode haver senão da parte de quem anteriormente já existia. Logo, o homem não recebeu a graça no primeiro instante da sua criação.
6. Demais. – Mais dista a natureza, da graça, do que esta, da glória, que não é senão a graça consumada. Ora, no homem, a graça precedeu à glória. Logo, com muito maior razão, a natureza precedeu a graça.
Mas, em contrário. – O homem e o anjo ordenam–se igualmente para a graça. Ora, este foi criado em graça, pois, Agostinho diz: Deus estava simultaneamente neles, criando a natureza e distribuindo a graça. Logo, também o homem foi criado em graça.
SOLUÇÃO. – Alguns dizem que o primeiro homem não foi criado em graça, contudo esta lhe foi depois conferida antes que pecasse. E na verdade, muitas autoridades dos Santos atestam que o homem, no estado de inocência, tinha a graça. – Mas, como outros dizem, ele foi criado em graça; e para isto é necessário admitir a retidão mesma do primeiro estado, na qual Deus fez o homem, conforme a Escritura: Deus criou o homem reto.
E tal retidão consistia em que a razão era sujeita a Deus; à razão, as virtudes inferiores; e à alma, o corpo. Ora, a primeira sujeição era a causa da segunda e da terceira. Pois, enquanto a razão permanecia sujeita a Deus, as virtudes inferiores eram–lhe sujeitas a ela, como diz Agostinho. Ora, é manifesto que tal sujeição do corpo à alma e a das virtudes inferiores à razão, não era natural, porque do contrário permaneceriam depois do pecado; pois, nos demônios, os dons naturais permaneceram depois do pecado como diz Dionísio. Por onde é manifesto, que também aquela primeira sujeição pela qual a razão se submetia a Deus, não era só natural, mas em virtude do dom natural da graça; pois o efeito não pode ser superior à causa. Por isso, Agostinho diz: imediatamente depois que transgrediram o preceito, abandonados da graça divina ficaram confusos com a nudez dos seus corpos; pois, sentiram o movimento novo da desobediência da carne, como pena reciproca da própria desobediência. Por onde se da a entender, que se, com o abandono da graça, dissipou–se a obediência da carne em relação à alma, pela graça, existente na alma é que as virtudes inferiores lhe estavam sujeitas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Com as palavras aduzidas, o Apóstolo quer mostrar que há um corpo espiritual, se há um corpo animal; pois a vida daquele começou com Cristo, primogênito dentre os mortos, como a vida deste começou com Adão. Mas nas palavras do Apóstolo não esta que Adão não tinha alma espiritual, senão que não foi espiritual quanto ao corpo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como se diz no mesmo passo, não se nega que de algum modo o Espírito Santo estivesse em Adão, como esta nos outros justos; mas que não estava nele como agora está nos fiéis, admitidos a entrarem na herança eterna logo depois da morte.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Do passo citado de Agostinho não se conclui que o anjo ou o homem fossem criados com a natural liberdade do arbítrio, antes de terem a graça. Mas mostra primeiro o que neles podia o livre arbítrio, antes da confirmação; e o que, depois, conseguiram com o auxílio da graça confirmante.
RESPOSTA À QUARTA. – O Mestre se exprime de acordo com a opinião dos que admitiam que o homem não foi criado em graça, mas somente com faculdades naturais. – Ou pode–se dizer que, embora o homem fosse criado em graça, todavia foi–lhe concedido, por criação da natureza, que pudesse progredir pelo mérito, mas em virtude de graça super–adveniente.
RESPOSTA À QUINTA. – Não sendo contínuo o movimento da vontade, nada impedia que, mesmo no primeiro instante da sua criação o primeiro homem consentisse na graça.
RESPOSTA À SEXTA. – Merecemos a glória por ato da graça; não porém a graça por ato da natureza. Por onde, a razão da comparação não e a mesma.