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Art. 9 — Se em Cristo havia a ira.

O nono discute-se assim. — Parece que em Cristo não havia a ira.

1. — Pois, diz a Escritura: A ira do homem não compõe a justiça de Deus. Ora, tudo o que havia em Cristo estava compreendido na justiça de Deus; pois, ele nos foi feito por Deus justiça. Logo, parece que em Cristo não houve ira.

2. Demais. — A ira se opõe à mansidão, como se lê em Aristóteles. Ora, Cristo foi manso por excelência. Logo, nele não houve ira.

3. Demais. — Gregório diz: A ira, como pecado, cega os olhos da alma; mas, como zelo, ela os perturba. Ora, em Cristo os olhos da alma nem ficaram cegos nem perturbados. Logo, em Cristo não houve ira, nem como pedado nem como zelo.

Mas, em contrário, o Evangelho diz que dele se cumpriu aquela palavra da Escritura: O zelo da tua casa me devora.

SOLUÇÃO. — Como dissemos na Segunda Parte, a ira é o efeito da tristeza. Pois, a tristeza que sofremos nos provoca o. apetite sensitivo a repelir a ofensa causada a nós ou a outrem. E assim a ira é uma paixão composta da tristeza e do desejo da vindicta. Ora, dissemos que em Cristo podia haver tristeza. Quanto ao desejo da vindicta, ele é às vezes acompanhado do pecado, quando procuramos vingar-nos contrariamente à ordem da razão. E então não podia haver ira em Cristo, pois, é essa ira pecaminosa. Mas outras vezes esse desejo não só é isento de pecado, mas até é louvável; como quando exercemos a vindicta segundo a ordem da justiça. E essa se chama a ira do zelo, Assim, diz Agostinho: É devorado pelo zelo da casa de Deus quem procura emendar todos os males que vê; e quando não pode emendá-los, tolera-os e geme sobre eles. E tal foi a ira de Cristo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como ensina Gregório, de dois modos pode o homem ceder a ira. Ás vezes ela previne a razão e a arrasta ao seu ato. Então a ira é propriamente uma operação; e esta se atribui ao agente principal. E neste sentido se diz que a ira do homem não cumpre a justiça de Deus. Mas, outras vezes a ira é consequência do ato da razão e quase instrumento dela. E então o ato da justiça não se atribui à ira, mas, à razão.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A ira, que transgride a ordem da razão. se opõe à mansidão; não porém a ira moderada e conservada no meio termo, pela razão. Pois, a mansidão mantém o meio termo da ira.

RESPOSTA À TERCEIRA. Em nós, pela ordem natural, as potências da alma podem ser obstáculo umas às outras. Assim, a operação intensa de uma potência enfraquece a de outra. Donde vem que o movimento da ira, mesmo quando moderado pela razão, de certo modo impede aos olhos da alma a contemplação. Mas, em Cristo, por força do poder divino, a cada potência lhe era garantida a sua ação própria, de modo que uma não oferecia obstáculo a outra. Por onde, assim como o prazer da contemplação da mente não impedia a tristeza ou a dor da parte inferior, assim também e inversamente, as paixões da parte inferior em nada impediam o ato da razão.

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