(II Sent., dist. XXVII, a. 4, ad 3; a. 6; Ad Hebr., cap. VI. Lect III).
Parece que podemos, por nós mesmos, merecer levantarmo-nos da queda.
1. – Pois, parece que o homem pode merecer o que justamente pede a Deus. Ora, nada de mais justo, como diz Agostinho, podemos pedir a Deus, do que o levantarmo-nos da queda, conforme aquilo da Escritura: Quando faltar a minha fortaleza, não me desampares, Senhor. Logo, o homem pode merecer levantar-se da queda.
2. Demais. – As nossas obras aproveitam muito mais a nós mesmos que aos outros. Ora, podemos de certo modo, merecer que outrem se levante da queda, assim como merecer-lhe a primeira graça. Logo, com maior razão, podemos merecer para nós mesmos o levantarmo-nos da queda.
3. Demais. – Quem esteve em graça mereceu para si, pelas boas obras praticadas, a vida eterna, como do sobredito resulta. Ora, ninguém pode alcançar a vida eterna senão auxiliada pela graça. Logo, parece que mereceu levantar-se, pela graça.
Mas, em contrário, a Escritura: Se o justo se apartar da sua justiça, e vier a cometer a iniqüidade, de nenhuma das obras de justiça que tiver feito se fará memória. Logo, para levantar-se, de nada lhe valerão as graças precedentes. Por tanto, não podemos de antemão merecer levantarmo-nos do pecado em que tivermos caído.
SOLUÇÃO. – Ninguém pode, por si mesmo, merecer levantar-se do pecado em que vier a cair, nem por mérito condigno, nem por mérito côngruo. – Não o pode por mérito condigno, por este depender por essência, da moção da graça divina, a qual fica impedida pelo pecado sobreveniente. Por onde, todos os benefícios com que Deus gratificar um homem, para lhe operarem a reabilitação, escapam-lhe ao mérito, pois a moção da graça, anteriormente recebida, não se estende até esse ponto. – Por outro lado, o pecado daquele, em favor de quem outrem merece, impede o mérito côngruo, pelo qual este lhe merece a primeira graça, de produzir o seu efeito. Logo, com maior razão, a eficácia desse mérito fica impedida pelo obstáculo existente em que merece e naquele em favor de quem merece; porque então ambos esses obstáculos concorrem na mesma pessoa. Portanto, ninguém pode, de nenhum modo, merecer por si mesmo, levantar-se, depois de ter caído.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Tanto o desejo que temos de nos levantar da queda, como a oração em que o pedimos, consideram-se justos, por tenderem para a justiça. Não porém, que se apóiem na justiça, a modo de mérito, mas só, de misericórdia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Podemos merecer para outrem congruamente a primeira graça, por não haver obstáculo, ao menos por parte nossa, que merecemos. Mas o obstáculo sobrevém, quando, depois do mérito da graça, nos afastamos da justiça.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Certos disseram que ninguém pode merecer absolutamente, a vida eterna, senão pelo ato da graça final; mas, só com a condição de perseverar. – Esta opinião porem é irracional, pois às vezes o ato da última graça não é mais meritório, mas, menos, que os atos precedentes, por causa do acabrunhamento causado pela doença. – Por onde, devemos dizer que, absolutamente falando, qualquer ato de caridade merece a vida eterna. Mas o pecado sobreveniente impede o mérito precedente de produzir o seu efeito; assim como as causas naturais deixam de produzir os seus efeitos por causa de um obstáculo sobreveniente.