(II Sent., dist. XXVII, a. 4; a. 5, ad 3; III, dist. XVIII, a. 4, qª 1; dist. XIX, a. 1, qª 1; III Cont. Gent., cap. CXLIX; De Verit., q. 29, a. 6; In Ioan., cap. X, lect. IV; Ad Ephes., cap. II, lect III).
O quinto discute-se assim. – Parece que o homem pode merecer por si a primeira graça.
1. – Pois, diz Agostinho, que a fé merece a justificação. Ora, o homem é justificado pela primeira graça. Logo, pode merecê-la por si.
2. Demais. – Deus não dá a graça senão aos dignos. Mas ninguém é digno de um dom senão por tê-lo merecido condignamente. Logo, pode-se merecer condignamente a primeira graça.
3. Demais. – Entre os homens, pode se merecer um dom já recebido. Assim, quem recebeu um cavalo do senhor, pode merecê-lo, usando bem dele no serviço desse mesmo senhor. Ora, Deus é mais liberal que o homem. Logo, com maior razão, este pode merecer de Deus, por obras subseqüentes, a primeira graça, já recebida.
Mas, em contrário, repugna à essência da graça ser recompensa de obras, conforme a Escritura: Ao que obra não se lhe conta o jornal por graça, mas por dívida. Ora, o homem merece o que lhe é imputado como débito, e como sendo uma recompensa da sua obra. Logo, não pode merecer a primeira graça.
SOLUÇÃO. – O dom da graça pode ser considerado à dupla luz; - Primeiro, quanto ao seu caráter de dom gratuito. E então, é manifesto que todo mérito repugna à graça, pois, como diz o Apóstolo, se isto foi por graça, não foi já pelas obras. – Segundo, quanto à natureza mesma do que é dado. E assim, também o dom da graça escapa ao mérito, se trata de alguém que ainda não a possui; quer por exceder ela à capacidade da nossa natureza, quer também porque, antes de recebê-la, o homem, no estado de pecado, está impedido de merecê-la, pelo próprio pecado. Mas depois de havê-la recebido, já não pode merecer a graça possuída. Porque a recompensa é o termo da obra, ao passo que a graça é o princípio de qualquer boa obra nossa, como já dissemos. Outro dom gratuito, porém, que venhamos a merecer, em virtude da graça precedente, já não será a primeira graça. – Por onde, é manifesto que ninguém pode merecer para si a primeira graça.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como ele próprio o confessa, Agostinho enganou-se, durante certo tempo, acreditando que o início da fé está em nós, ao passo que Deus no-la dá consumada. Esse erro ele o retrata no lugar que acabamos de citar. Ora, o lugar citado pela objeção, que a fé merece a justificação, parece referir-se a essa opinião retratada. Se, porém, supusermos, como o exige a verdade da fé, que Deus nos dá o início da mesma, então o ato de fé já resulta da primeira graça, e portanto não pode merecê-la. Logo, o homem é justificado pela fé, não porque, crendo, mereça a justificação, mas porque, sendo justificado, crê; pois, a moção da fé é necessária à justificação do ímpio, como já dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Deus não dá a graça senão aos dignos; não porém que, antes, dela já fossem dignos, mas pelos tornar tais, pela graça, Ele que só pode fazer puro ao que foi concebido de imunda semente.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Toda boa obra do homem procede da primeira graça, como do princípio. Não procede, porém, de nenhum dom humano. E portanto, não há semelhança entre o dom da graça e o dom humano.