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Art. 1 ─ Se Cristo virá julgar sob sua forma humana.

O primeiro discute-se assim. ─ Parece que Cristo não virá julgar sob sua forma humana.

1. Pois, o juízo requer a autoridade em quem julga. Ora, Cristo tem autoridade sobre vivos e mortos enquanto Deus, pois, nessa qualidade é que é o Senhor e Criador de tudo. Logo, virá julgar sob forma divina.

2. Demais. ─ O juiz há de ter um poder irresistível, donde o dizer a Escritura: Não pretendas ser juiz se não tem valor para romperes com esforço por entre as iniquidades. Ora, poder invencível é o de Cristo enquanto Deus. Logo, julgará como Deus.

3. Demais. ─ O Evangelho diz: O Pai a ninguém julga, mas todo o juízo deu ao Filho, a fim de que todos honrem ao Filho bem como honram ao Pai. Ora, ao Filho não é devida, na sua natureza humana, a mesma honra que ao Pai. Logo, não virá julgar sob forma humana.

4. Demais. ─ A Escritura diz: Eu estava atento ao que via, até que foram postos uns tronos e o antigo dos dias se assentou. Ora, os tronos designam o poder judiciário; e a antiguidade se atribui a Deus em razão da sua eternidade, como diz Dionísio. Logo, julgar convém ao Filho, como eterno. Portanto, não como homem.

5. Demais. ─ Agostinho, citado pelo Mestre diz: Pelo Verbo de Deus se opera a ressurreição das almas; pelo Verbo feito na carne Filho do homem se opera a ressurreição dos corpos. Ora, o juízo final concernirá mais a alma que o corpo. Logo, é antes como Deus que como homem, que Cristo virá julgar.
 
Mas, em contrário. ─ Diz o Evangelho: Deu-lhe o poder de julgar, por ser Filho do homem.
 
2. Demais. ─ Diz a Escritura: A tua causa tem sido julgada como a de um ímpio; por Pilatos, diz a Glosa. Por isso, ganharás a causa e a sentença; para julgares com justiça, diz a Glosa.  Ora, Cristo foi, como homem, julgado por Pilatos. Logo, como homem virá julgar.

3. Demais. ─ Julgar pertence a quem pertence legislar. Ora, Cristo nos deu a lei do Evangelho, revestindo-se da natureza humana. Logo, como tal é que virá julgar.

SOLUÇÃO. ─ Todo juízo supõe o domínio do juiz sobre aquele que julga, donde o dizer o Apóstolo: Quem és tu que julgas o servo alheio? Por onde a Cristo compete julgar, pelo domínio que tem sobre os homens, que serão o objeto principal do juízo final. Ora, Cristo é nosso Senhor, não só em razão da criação, pois o Senhor é Deus, ele nos fez e não nós outros a nós, como diz a Escritura; mas também em razão da redenção, que operou pela sua natureza humana, e por isso diz o Apóstolo ─ por isso é que morreu Cristo e ressuscitou para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Ora, para alcançarmos o prêmio da vida eterna não nos bastariam os bens da criação, sem o acréscimo do benefício da redenção, por causa dos obstáculos provenientes à natureza criada pelo pecado dos nossos primeiros pais. Por onde, como pelo juízo final uns serão admitidos no reino celeste e outros excluídos dele, conveniente será que o próprio, Cristo, na sua natureza humana, por benefício de cuja redenção o homem é admitido no reino dos céus, presida a esse juízo. E, tal o diz a Escritura: Ele é o que por Deus foi constituído juiz de vivos e mortos. Ora, pela redenção do gênero humano não só restaurou a natureza humana mas também em universal todas as criaturas, na medida em que todas se aperfeiçoam, com a restauração do homem, segundo aquilo do Apóstolo: Pacificando, pelo sangue da sua cruz tanto o que está na terra como o que está no céu. Por onde, Cristo, pela sua, paixão, mereceu exercer o domínio e o poder judiciário, não só sobre o homem, como sobre todas as criaturas, conforme aquilo do Evangelho: Tem-se-me dado todo o poder no céu e na terra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Cristo, na sua natureza divina, tem a autoridade de senhor sobre todas as criaturas, por direito de criação. Mas, pela sua natureza humana tem a autoridade do domínio merecida pela sua paixão, autoridade essa como secundária e adquirida. Ao passo que a primeira é natural e eterna.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Embora Cristo enquanto homem não tenha, por si mesmo, um poder irresistível, por virtude natural da espécie humana, contudo por dom da divindade tem, mesmo na sua natureza humana, um poder irresistível, pelo qual todas as cousas sujeitou debaixo dos pés dele. Por isso julgará, certo, na sua natureza humana, mas por virtude da divindade.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Cristo não seria capaz de obrar a redenção do gênero humano, se fosse um puro homem. Por onde, o fato mesmo de ter podido redimir, na sua natureza humana, o gênero humano, e adquirido desse modo o poder judiciário, mostra manifestamente que é também Deus e assim merece ser honrado por igual com o Pai, não como homem, mas como Deus.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Nessa visão de Daniel está manifestamente expressa toda a ordem do poder judiciário. O qual, como na sua origem primária, reside no próprio Deus, e especialmente no Padre, fonte de toda a divindade. Por isso no texto de Daniel diz, primeiro que o Antigo dos dias se assentou. Mas, do Padre, o poder judiciário foi transmitido ao Filho, não só abeterno segundo a natureza divina, mas também no tempo segundo a natureza humana, pela qual mereceu esse poder. Por isso, na visão referida o profeta acrescenta: E eis que vi um como o Filho do homem, que vinha com as nuvens do céu, e que chegou até o Antigo dos dias e ele lhe deu o poder, e a honra e o reino.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Agostinho se exprime num sentido analógico, reduzindo os efeitos que Cristo obrou em a natureza humana à causas de certo modo semelhantes. E como pela nossa alma somos à imagem e semelhança de Deus, mas pela carne somos da mesma espécie que Cristo humanado, por isso o que Deus operou em nossas almas Agostinho o atribui à divindade; e o que obrou ou há de fazê-lo na carne, lhe atribui à carne. Embora a carne de Cristo, enquanto órgão da divindade, como diz Damasceno, também tenha ação sobre as nossas almas, segundo aquilo do Apóstolo: O sangue de Cristo limpará a nossa consciência das obras da morte. E assim também o verbo feito carne é causa da ressurreição das almas. Por isso, também pela sua natureza humana a Cristo cabe ser juiz não só dos bens do corpo mas também dos da alma.

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