O segundo discute-se assim. ─ Parece que o poder judiciário não compete à pobreza voluntária.
1. ─ Pois, julgar só foi prometido aos doze Apóstolos, conforme aquilo do Evangelho: Vós estar eis sentados sobre doze tronos e julgareis, etc. Ora, todos os Apóstolos não eram voluntariamente pobres. Logo, parece que nem a todos compete o poder judiciário.
2. Demais. ─ É maior sacrifício oferecermos a Deus o nosso próprio corpo do que cousas exteriores. Ora, os mártires e também as virgens oferecem o próprio corpo em sacrifício a Deus; ao passo que os voluntariamente pobres só oferecem os bens exteriores, em sacrifício. Logo, a sublimidade do poder judiciário mais compete aos mártires e às virgens que aos pobres voluntários.
3. Demais. ─ Diz o Evangelho: O mesmo Moisés, em quem vós tendes as esperanças é o que vos acusa. Ao que diz a Glosa: porque não lhe credes na palavra. E continua o evangelista: A palavra que eu vos tenho falado essa o julgará no dia último. Logo, o fato mesmo de alguém propor a lei ou exortar com palavras à correção dos costumes, dá-lhe o direito de julgar os que o desprezarem. Ora, essa é função dos doutores. Logo, mais compete aos doutores julgar que aos que voluntariamente abraçaram a pobreza.
4. Demais. ─ Cristo, por ter sido julgado injustamente como homem, mereceu ser o juiz de toda a humanidade, conforme o diz o Evangelho: E lhe deu o poder de exercitar o juízo porque é Filho do homem. Ora, os que sofrem perseguição por amor da justiça são julgados injustamente. Logo, mais que aos pobres, lhes compete o poder judiciário.
5. Demais. ─ O superior não pode ser julgado pelo inferior. Ora, muitos que usaram licitamente das suas riquezas serão superiores no mérito a muitos que abraçaram a pobreza voluntária. Logo, não serão os pobres voluntários que os hão de julgar a eles.
Mas, em contrário. ─ Diz a Escritura: Não salva aos ímpios e faz justiça aos pobres. Logo, pertence aos pobres julgar.
2. Demais. ─ Aquilo do Evangelho ─ Vós que abandonastes tudo, etc. ─ diz a Glosa: Os que abandonaram tudo e seguiram a Deus, esses serão os juízes; os que usaram retamente dos bens que licitamente possuíram, serão esses os julgados. Donde a mesma conclusão anterior.
SOLUÇÃO. ─ Por três razões especiais à pobreza voluntária pertence o poder judiciário. ─ Primeiro, por uma razão de conveniência. Pois, a pobreza voluntária é a daqueles que, desprezados todos os bens do mundo, se consagraram totalmente a Cristo. Nada tiveram assim na mente, que lhes pudesse desviar da justiça o pensamento. Tornavam-se por isso idôneos para julgar, como amantes da justiça acima de tudo. ─ Segundo, pelo seu mérito. Pois, à humildade corresponde a exaltação fundada no mérito. Ora, nada torna o homem mais desprezível neste mundo que a pobreza. Por isso, o Evangelho promete aos pobres a excelência do poder judiciário, quando diz que quem se humilhar por Cristo será exaltado. ─ Terceiro, porque a pobreza predispõe ao referido modo de julgar. Pois, quando dizemos que cada um dos santos julgará, isso significa, como explicamos, que terá gravado no coração o tesouro das verdades divinas, que poderá manifestar aos outros. Ora, no progresso para a perfeição, a primeira cousa que devemos abandonar são as riquezas exteriores, que são as que adquirimos em último lugar; e o que vem em último lugar na geração virá em primeiro na destruição. Por isso, entre as bem-aventuranças, meios pelos quais progredimos na perfeição, ocupa o primeiro lugar a pobreza. E assim à pobreza compete o poder judiciário, enquanto é ela a disposição primeira para a perfeição referida. Razão por que não é a quaisquer pobres; mesmo voluntários, prometido o poder judiciário, mas só aos que, tendo abandonado tudo, seguiram a Cristo, num estado de vida perfeita.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Diz Agostinho: Não é pelo Evangelho prometer, que os doze Apóstolos estarão sentados sobre doze tronos, que serão só doze homens os que exercerão com Cristo o poder judiciário. Do contrário, como o Evangelho também refere que em lugar de Judas, traidor, foi escolhido o Apóstolo Matias, Paulo, que trabalhou mais que os outros Apóstolos, nenhum assento teria entre os juízes. Por onde, o número doze significa toda a multidão dos que devem julgar, porque é esse número o resultado da multiplicação das duas partes do número sete ─ três e quatro. Ora, o número doze é um número perfeito por consistir na soma de seis mais seis, e seis é um número perfeito. ─ Ou porque, literalmente, Cristo falava aos doze Apóstolos e nas pessoas deles prometia o poder judiciário a todos os que no futuro os imitassem.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ A virgindade e o martírio não dispõem o coração a conservar os decretos da justiça divina, como a pobreza; assim como, ao contrário, as riquezas materiais, pela solicitude que causam, abafam a palavra de Deus, na expressão do Evangelho. ─ Ou devemos responder que a pobreza, não só basta para merecer o exercício do poder judiciário, mas é a primeira parte da perfeição a que o poder judiciário compete. Por isso entre as consequências da pobreza, que visam a perfeição, podemos contar a virgindade, o martírio, e todas as obras perfeitas. Mas nada disso é tão principal como a pobreza, porque o princípio de uma cousa é a sua parte mais importante.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Quem propôs a lei ou exortou ao bem julgará, causalmente falando, porque os outros serão julgados conforme as palavras que ele pronunciou ou propôs. Por isso, em sentido próprio, o poder judiciário não incumbe à pregação nem à doutrina. ─ Ou devemos responder, segundo outros, que o poder judiciário requer três condições: a primeira, o despreendimento dos cuidados temporais, a fim de não ficar a alma impedida de receber a sabedoria; a segunda, o hábito que realmente contenha o conhecimento e a observância da justiça; a terceira, o ensino dessa justiça aos outros. E assim, a doutrina será a perfeição que completa o mérito para exercer o poder judiciário.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Cristo, deixando condenar-se injustamente, humilhou-se a si próprio: Foi oferecido, diz a Escritura, porque ele mesmo quis. E o mérito da sua humildade lhe mereceu as honras do poder judiciário, em virtude do qual tudo lhe foi submetido, como diz o Apóstolo. Por onde, o poder judiciário é devido de preferência aos que voluntariamente se humilharam, desprezando os bens temporais, por causa dos quais o mundo nos honra, do que aos que foram humilhados pelos outros.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O inferior não pode, por autoridade própria, julgar o superior; mas o pode, em virtude de uma autoridade superior, como no caso da delegação de juízos. Por isso, não há inconveniente em ser concedido como prêmio acidental aos pobres, julgarem os outros, mesmo os de mérito mais excelente em relação ao prêmio essencial.