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Art. 2 ─ Se cada um poderá ler tudo o que outro tem na consciência.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que não será possível a um ler tudo o que outro tem na consciência.

1. ─ Pois, os ressuscitados não terão um conhecimento mais puro que o dos anjos, com os quais lhes é prometida a igualdade, como o diz o Evangelho. Ora, os anjos não podem ler no coração uns dos outros o que lhes depende do livre arbítrio; para terem disso conhecimento, é preciso que lhes seja revelado pela palavra. Logo, os ressuscitados não poderão ler o que os outros tem na consciência.

2. Demais. ─ Tudo o que conhecemos o é em si mesmo ou na sua causa ou no seu efeito. Ora, os méritos ou deméritos que alguém tem na consciência não pode outro conhecê-los em si mesmos, porque só Deus penetra os corações e lhes perscruta os segredos. Nem na sua causa, porque nem todos verão a Deus, que só pode influir sobre o afeto, donde procedem os méritos, ou os deméritos. Enfim nem no efeito, porque muitos deméritos haverá de que nenhum efeito há de restar, delidos que foram totalmente pela penitência. Logo, não poderá um ler tudo o que esta na consciência de outro.

3. Demais. ─ Crisóstomo diz, segundo o cita o Mestre das Sentenças: Se neste mundo tiveres na memória os teus pecados, se os confessares presentemente na presença de Deus, se pedires que te sejam perdoados, mais depressa os deliras. Se porém os esqueceres, então deles terás que te recordar contra a vontade quando sei tornarem públicos e forem manifestos à vista de todos teus amigos e inimigos, e dos santos anjos. Donde se conclui que preteriu a confissão. Logo, os pecados confessados não se tornarão públicos.

4. Demais. ─ Será uma consolação saber alguém que tem muitos companheiros no pecado e, por isso, menos se envergonhar dele. Ora, o pecador, cujos pecados fossem conhecidos de outrem, menos se envergonharia deles. O que não é admissível. Logo, nem todos conhecerão os pecados de todos.

Mas, em contrário. ─ Aquilo do Apóstolo ─ Porá às claras o que se acha escondido ─ diz a Glosa: As obras e os pensamentos, bons e maus, serão então públicos e conhecidos de todos.

2. Demais. ─ Os pecados passados de todos os bons serão igualmente perdoados. Ora, conhecemos os pecados de certos santos, como Madalena, Pedro e David. Logo e pela mesma razão serão conhecidos os pecados dos outros eleitos. E muito mais, dos condenados.

SOLUÇÃO. ─ No último dia e no juízo universal é necessário a justiça divina manifestar-se a todos, com evidência, ela que nesta vida fica muitas vezes oculta. Ora, uma sentença que premeia ou castiga não pode ser justa, senão proferida de acordo com os méritos ou deméritos. Por onde, assim como o juiz e o seu assessor devem conhecer o mérito da causa, para poderem proferir uma sentença justa, assim também é preciso para uma sentença se manifestar como tal, que todos os que dela tiverem conhecimento conheçam também os méritos que a fundamentam. Por onde, como cada um conhecerá o seu prêmio e a sua condenação do mesmo modo por que serão conhecidos de todos, assim também, do mesmo modo por que cada um trará à memória os seus méritos e deméritos também conhecerá os méritos e os deméritos alheios. ─ E esta é a opinião mais provável e comum, embora o Mestre diga o contrário, i. é, que os pecados já delidos pela penitência não se publicarão aos outros, no juízo. Mas de aqui resultaria que também não seria perfeitamente conhecida a penitência desses pecados, o que seria muito em detrimento da glória dos santos e da glória de Deus, que tão misericordiosamente lhes perdoou.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Todos os méritos ou deméritos precedentes contribuirão para aumentar a glória ou a miséria do ressuscitado. Será portanto do que exteriormente se vir que se poderá deduzir tudo o que esta nas consciências. Sobretudo se o poder divino cooperar para que a justa sentença do juiz seja conhecida de todos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Os méritos ou os deméritos poderão ser manifestados aos outros nos seus defeitos, como do sobredito se colhe. Ou ainda em si mesmos, por permissão divina, embora o intelecto criado não seja capaz de tanto.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A publicação dos pecados para ignomínia do pecador é efeito da negligência cometida na omissão da confissão. Mas o serem revelados os pecados dos santos não poderá lhes redundar em pejo e vergonha, assim como não reverte em confusão de Maria Madalena serem narrados publicamente na Igreja os seus pecados. Porque a vergonha é o temor da desonra, como diz Damasceno, o que não poderá ter lugar com os bem-aventurados. Essa publicidade lhes redundará, ao contrário, em grande glória, por causa da penitência que fizeram, assim como um confessor aprova quem corajosamente confessa graves crimes. Mas se diz que os pecados foram delidos por que Deus não mais deles se lembra para os punir.
 
RESPOSTA À QUARTA. ─ O fato de um pecador conhecer os pecados dos outros em nada lhe diminuirá a confusão; ao contrário, a aumentará fazendo-o pesar melhor o seu vitupério pelo comparar com o alheio. E se isso é causa de diminuir a confusão é porque a vergonha leva em conta a apreciação humana, que vai perdendo da sua importância com o costume. Mas, no juízo final a confusão depende da apreciação de Deus, fundada no conhecimento exato de cada pecado, de um só pecador ou de muitos.

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