O segundo discute-se assim. ─ Parece que nenhuma alma é imediatamente conduzida, depois da morte, nem ao céu nem ao inferno.
1. ─ Pois, àquilo da Escritura ─ Ainda um pouco e não existirá o pecador ─ diz a Glosa: Os santos são libertados no fim do mundo; mas ainda não estarás, depois desta vida, onde estarão os santos, aos quais será dito ─ vinde, benditos de meu Pai. ─ Ora, esses santos estarão no céu. Portanto, os santos, depois desta vida, não subirão logo ao céu.
2. Demais. ─ Agostinho diz: No tempo decorrido entre a morte e a ressurreição final, as almas habitarão lugares secretos, no descanso ou no sofrimento, conforme ao mérito de cada uma. Ora, esses lugares secretos não podem entender-se como sendo o céu e o inferno, porque neles estarão as almas com os seus corpos, mesmo depois da ressurreição final; e assim em nada se distinguirão os tempos anteriores e os posteriores à ressurreição. Logo, não estarão nem no inferno nem no paraíso até o dia do juízo.
3. Demais. ─ Maior é a glória da alma que a dos corpos. Ora, a glória dos corpos será concedida a todos simultaneamente, de modo a ser maior a alegria de cada uma pela participação da alegria comum. Assim o dito do Apóstolo ─ Tendo disposto Deus alguma causa melhor a nosso favor ─ o comenta a Glosa: Para resultar maior, da comum alegria de todos, a alegria de cada um. Logo e com maior razão, convém diferir a glória das almas até o fim, para a gozarem todas simultaneamente.
4. Demais. ─ A pena e o prêmio, conferidos pela sentença do juiz, não devem preceder o juízo. Ora, o fogo do inferno e a alegria do paraíso serão dados a todos pela sentença de Cristo juiz, i. é, no juízo final, como o diz o Evangelho. Logo, antes do dia do juízo, ninguém subirá ao céu nem descerá ao inferno.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Se a nossa casa terrestre desta morada for desfeita, temos de Deus um edifício, casa não feita por mãos humanas, que durará sempre nos céus. Logo separada do corpo, terá a alma uma morada, que durará sempre nos céus.
2. Demais. ─ O Apóstolo diz: Tenho desejo de ser desatado da carne e estar com Cristo. Baseado no que, assim argumenta Gregório: Logo, quem não duvida que Cristo esteja no céu, também não negará que nele esteja a alma de Paulo. Ora, não podemos negar que Cristo esta no céu, por ser artigo de fé. Logo, nem devemos duvidar sejam as almas dos santos levadas ao céu. E também sabemos que certas almas caem no inferno logo depois da morte, por aquilo do Evangelho: Morreu também o rico e foi sepultado no inferno.
SOLUÇÃO. ─ Assim como os corpos são dotados de peso ou de leveza, que os fazem entrar nos seus lugares, que é o fim do movimento deles, assim também tem as almas o seu mérito e o seu demérito, pelos quais alcançam o prêmio ou a pena, fins das ações delas. Por onde, assim como, a menos de um obstáculo, a gravidade ou a leveza faz os corpos imediatamente ocuparem o seu lugar, assim imediatamente as almas, dissoluto o vínculo da carne, que as prendia até a esta vida, recebem o prêmio ou a pena, se nada o impedir. p. ex., a consecução do prêmio a impediria o pecado venial, que deveria ser expiado antes, donde resultaria o retardamento do prêmio. Ora, conforme o prêmio ou a pena, que merece, à alma, logo depois de separada do corpo, lhe é atribuído o seu lugar. Ou é precipitada no inferno, ou sobe aos céus, salvo se o impedir algum reato, que diferirá a sua entrada no céu, até ser purificada. ─ E essa verdade tanto a confirmam manifestamente as autoridades da Escritura canônica, como os documentos dos santos Padres. O contrário deve ser tido como herético.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ A Glosa se elucida a si mesma. Pois, quando diz ─ Ainda não estarás onde estarão os santos ─ logo, como se explicando, acrescenta ─ i. é, não terás as vestes duplas que terão os santos na ressurreição.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Entre os outros receptáculos ocultos, de que fala Agostinho, também devemos contar o inferno e o paraíso, onde certas almas demoram, antes da ressurreição. Mas distingue entre o tempo anterior e o posterior à ressurreição. Porque, antes dela, aí estão sem corpo; depois, com corpo. E porque em certos receptáculos agora estão as almas, onde não estarão depois da ressurreição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Os homens, pelos seus corpos, tem uma certa continuidade que os une uns aos outros; e por isso é verdade o dito da Escritura: De um só fez Deus todo o gênero humano. Ao passo que as almas as criou cada uma de per si. Por onde, não há tanta conveniência em os homens todos serem simultaneamente glorificados na alma, como em o serem simultaneamente no corpo. ─ Além disso, a glória do corpo não é essencial, como a da alma. Por isso, maior detrimento sofreriam os santos, tendo diferida a glória da alma, que a do corpo. Nem poderia esse detrimento da glória ser recompensado pela ampliação da alegria de cada um, participando da alegria comum.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Gregório propõe a mesma objeção e a resolve. Se, diz, estão agora no céu as almas dos justos, que receberão no dia de juízo como retribuição pela sua justiça? E responde: A sua glória lhes exercerá porque agora não gozam senão da felicidade da alma; depois da ressurreição, porém, fruirão a do corpo, de modo que também gozarão na carne pelas dores e tormentos sofridos pelo Senhor. E o mesmo se diga dos condenados.