O sexto discute-se assim. ─ Parece que marido e mulher podem emitir voto contrário ao dever conjugal, sem consentimento mútuo.
1. Pois, marido e mulher estão obrigados ao dever conjugal, como se disse. Ora, é lícito ao marido, mesmo se lh'o proibir a mulher, alistar-se como cruzado, em defesa da Terra Santa. Logo, também lícito o será à esposa. Portanto, como em tais circunstâncias fica impedido o cumprimento do dever conjugal, pode um, sem o consentir o outro cônjuge, emitir esse voto.
2. Demais. ─ Para um cônjuge fazer um voto não precisa obter o consentimento do outro, quando este não pode dissentir, sem pecado. Ora, um cônjuge não pode, sem pecado deixar de consentir que o outro faça voto de continência perpétuo ou temporário; porque impedir o progresso espiritual é pecado contra o Espírito Santo. Logo, pode um fazer voto de continência, perpétuo ou temporário, sem o consentimento do outro.
3. Demais. ─ O ato matrimonial tanto compreende o cumprimento como a retribuição do dever conjugal. Ora, um pode, sem o consentimento do outro fazer o voto de não pedir o cumprimento desse dever, pois isso está no seu poder. Logo, pela mesma razão, o de não o retribuir.
4. Demais. - Ninguém pode ser obrigado, por preceito de um superior, ao que não lhe é lícito, absolutamente falando, ligar por um voto ou fazer; pois não há de ser de obediência em matéria ilícita. Ora, o prelado superior pode ordenar ao marido, pelo ocupar num determinado serviço, que se abstenha do ato conjugal, temporariamente. Logo, também isso poderia ele próprio fazer e pronunciar um voto impediente do dever conjugal.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Não vos defraudeis um ao outro, senão talvez de comum acordo por algum tempo, para vos aplicardes à oração.
2. Demais. ─ Ninguém pode fazer voto relativamente ao que é alheio. Ora, o marido não tem poder no seu corpo, mas tem no a mulher, na frase do Apóstolo. Logo, sem o seu consentimento, não pode o marido fazer voto de continência, nem perpétuo, nem temporário.
SOLUÇÃO. ─ Fazer voto é próprio da vontade, como o próprio nome o indica. Por onde, só podemos fazer voto em relação àqueles bens, que dependem da nossa vontade. Ora, tais não são as obrigações que nos ligam a terceiros. Portanto, em relação a estes não podemos fazer voto sem o consentimento de quem dependemos. Ora, estando os cônjuges obrigados um para com o outro ao dever conjugal, impediente da continência, não pode um, sem consentimento do outro, fazer voto de continência. E se o fizer peca; e não deve cumprir o voto, mas penitenciar-se de o haver mal feito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Bastante provável é que a mulher deva querer uma continência temporária por socorrer às necessidades da Igreja universal. Por isso, como favor por ter o marido a cruz e partir em defesa da Terra Santa, a Igreja determinou que a possa receber sem o consentimento da esposa. Assim, como também poderia militar em favor de seu senhor temporal, de quem recebeu o feudo, sem o consentimento dela. Mas, nem por isso fica a mulher privada do seu direito, pois poderá acompanhá-lo, ─ Nem há símile entre marido e mulher. Pois, como é o marido quem deve governar a mulher, e não ao inverso, mais obrigada está a mulher a seguir ao marido que ao contrário. Além disso, a mulher, com maior perigo para a castidade, que o marido, andaria em excursões por terras estranhas; e com menos utilidade para a Igreja. Por isso, não pode ela fazer esse voto sem a permissão do marido.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O cônjuge, que dissentir do ato de continência do outro, não peca: pois não o faz por lhe impedir o bem, mas para não acarretar um dano para si mesmo.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Nesta matéria duas são as opiniões. ─ Assim, certos dizem, que pode um sem o consentimento do outro, fazer voto de não pedir o cumprimento do dever conjugal, mas não o de não o retribuir. Porque quanto a pedi-lo ou não, cada um é independente; não porém, quanto ao retribuir. ─ Mas, o não pedir nunca um esse cumprimento tornaria o matrimônio demasiado oneroso ao outro, que ficaria sempre sujeito ao acanhamento de o pedir. Por isso, e mais provavelmente, dizem outros, que nenhum pode fazer voto sem o consentir o outro cônjuge.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como a mulher recebe poder sobre o corpo do marido, salvo aquilo em que este pode dispor do seu próprio corpo, assim também salvo ficará aquilo em que está obrigado para com o senhor. Por onde, assim corno a mulher não pode pedir ao marido o cumprimento do dever conjugal em detrimento da saúde corporal deste, assim também não o pode, impedindo os seus deveres para com o senhor. Mas, fora daí, não pode o senhor proibi-lo de retribuir o dever conjugal.