O segundo discute-se assim. ─ Parece que todo erro impede o matrimônio, e não só o sobre a condição ou a pessoa, como diz o Mestre.
1. Pois, o que convém a uma realidade, em razão da sua natureza, em todos os casos lhe convém. Ora, o erro por natureza impede o matrimônio, como se disse. Logo, todo erro o impede.
2. Demais. ─ Se o erro como tal impede o matrimônio, um erro maior deve ser maior impedimento. Ora, maior é o erro sobre a fé, cometido pelos heréticos que não sem neste sacramento, que o erro sobre a pessoa. Logo, deve ser o erro sobre a fé maior impedimento que este último.
3 . Demais. ─ O erro não anula o matrimônio senão na medida em que exclui o voluntário. Ora, o ignorar de qualquer circunstância exclui o voluntário como o diz Aristóteles. Logo, não é só o erro sobre a condição e sobre a pessoa, que impede o matrimônio.
4. Demais. ─ Assim como a condição de escravo é um acidente, que afeta a pessoa, assim também o é uma qualidade do corpo ou da alma. Ora, o erro sobre a condição impede o matrimônio. Logo e pela mesma razão, o erro sobre a qualidade ou a fortuna.
5. Demais. ─ Assim como a escravidão e a liberdade são condições da pessoa, assim a nobreza ou a ignobilidade, a dignidade de que se desfruta ou a privação desta. Ora, o erro sobre a condição de livre ou escravo impede o matrimônio. Logo, também o que recai sobre as demais condições referidas.
6. Demais. ─ Assim como a condição de escravo impede o matrimônio, assim também a disparidade de culto e a impotência física, como a seguir se dirá. Logo, assim como o erro sobre a condição é um impedimento, assim também deviam impedir o matrimônio o erro sobre a disparidade do culto e a impotência.
Mas, em contrário. ─ Parece que o erro sobre a pessoa não impede o matrimônio. Pois, assim como a compra é um contrato, assim também o matrimônio. Ora, a compra e venda não será anulada porque se deu uma moeda de ouro em lugar de outra do mesmo valor. Logo, nem o matrimônio fica impedido de quem esposar uma mulher em lugar de outra.
2. Demais. ─ Pode-se dar que os cônjuges elaborem nesse erro durante muitos anos e gerem filhos e filhas. Ora, grave seria dizer que se deveriam separar, depois de tantos anos. Logo, o primeiro erro não dirimiu o matrimônio.
3. Demais. ─ Pode uma mulher, por erro, consentir em casar com o irmão do homem com quem queria realmente contrair matrimônio, e este venha a com ela ter conjunção carnal. Donde então o resultado de não lhe ser possível voltar a casar com aquele a quem iria dar o seu consentimento, devendo permanecer com o irmão. E assim, o erro sobre a pessoa não impede o matrimônio.
SOLUÇÃO. ─ Assim como o erro, por causar o involuntário, escusa do pecado, assim pela mesma razão impede o matrimônio. Ora, só escusa do pecado o erro sobre uma circunstância, cuja presença ou ausência torna o ato lícito ou ilícito. Assim, quem ferir o próprio pai com um bastão de ferro, crendo ser de madeira, não fica completamente escusado, embora o fique parcialmente. Mas quem crê açoitar um filho, por causa de disciplina, e açoite o próprio pai, fica totalmente escusado, contanto que o fizesse de todo por engano. Por onde e necessariamente, o erro impeditivo do matrimônio há de ser daqueles que atingem a essência mesma dele. Mas, o matrimônio implica duas condições essenciais: as duas pessoas vinculadas e o poder que mutuamente se dão, uma sobre a outra. Ora, a primeira fica excluída pelo erro sobre a pessoa; a segunda, pelo erro sobre a condição, pois um escravo não tem a faculdade de conferir a outrem poder sobre o seu corpo, sem
o consentimento do senhor. Razão pela qual esses dois erros impedem o matrimônio, e não os outros.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Não é pela sua natureza genérica, mas pela diferença adjunta, que o erro impede o matrimônio, Isto é, porque recai sobre um dos elementos essenciais do casamento.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O erro de um infiel em relação ao matrimônio recai sobre as consequências dele, a saber, se é sacramento, ou se é lícito. Por isso tal erro não o impede, assim como um erro relativo ao batismo não impede a impressão do caráter, contanto que o batizando tenha a intenção de fazer ou de receber o que a Igreja confere, embora nisso não creia.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Não é a ignorância de qualquer circunstância que causa o involuntário que escusa de pecado, como se disse. Por isso a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUARTA. ─ A diversidade de fortuna como a de qualidade nada altera do essencial ao matrimônio, como o altera a condição da escravidão. Por onde, a objeção não colhe.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O erro sobre a nobreza, como tal, não anula o matrimônio, pela mesma razão por que não o anula o erro sobre uma qualidade. Mas, se o erro sobre a nobreza ou a dignidade redundar em erro sobre a pessoa, então impedi-lo-á. Assim, se o consentimento da mulher recai diretamente sobre certa pessoa, o erro sobre a nobreza dela não ê impedimento ao matrimônio. Se porém entendia consentir diretamente em casar como filho de um rei, seja êle qual for, então, casando com outro que não o filho do rei, cometerá um erro sobre a pessoa e o matrimônio será nulo.
RESPOSTA À SEXTA. ─ O erro também sobre os outros impedimentos ao matrimônio, que tornam certas pessoas incapazes dele, impede-o. Mas o Mestre não menciona esses erros, porque, mesmo quando inexistentes, os impedimentos produzem sempre os seus efeitos. Tal o caso da mulher que casar com um subdiácono; quer o saiba, quer não, o matrimônio será nulo. Mas a condição de escravo, quando conhecida, não o impede. Logo, o símile não colhe.
RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Nos contratos, o dinheiro exerce a função de medida universal, como o demonstra Aristóteles, e não da matéria deles. Por isso nada obsta ao contrato o fato de se dar uma moeda em lugar de outra, equivalente. Mas
se o erro recaísse sobre a matéria, objeto do contrato, este seria nulo; tal o caso de quem vendesse um asno por um cavalo. Ora, o mesmo se dá no caso proposto.
RESPOSTA À OITAVA. ─ Nas circunstâncias imaginadas, só haverá matrimônio se a mulher renovar o consentimento, seja qual for o tempo durante o qual coabitaram.
RESPOSTA À NONA. ─ Se a mulher não consentiu em casar com o primeiro irmão, pode ficar com o que aceitou por erro ; nem pode voltar a viver com o outro, sobretudo se já teve relação carnal com o a que deu o seu consentimento. Se porém consentiu em casar como o primeiro, por palavras de presente, não pode convolar as núpcias com o segundo, enquanto viver o outro; mas poderá separar-se do segundo ou voltar a conviver com o primeiro. Seja como for, a ignorância do fato escusa de pecado; como o escusaria se depois de consumado o matrimônio, tivesse relações com o irmão de seu marido, enganada por esse irmão; pois, não pode ficar prejudicada pela fraude alheia.