O segundo discute-se assim. ─ Parece que o poder das chaves não é o poder de ligar e de desatar, pelo qual o juiz eclesiástico deve receber no Reino os dignos e dele excluir os indignos.
1. ─ Pois, o poder espiritual conferido no sacramento é o mesmo que o caráter. Ora, o poder das chaves e o caráter não são o mesmo, porque pelo caráter o homem é comparável a Deus; mas pelo poder das chaves, aos súbditos. Logo, não é um poder.
2. Demais. ─ Juiz eclesiástico só é considerado aquele que tem jurisdição, e esta não é dada simultaneamente com a ordem. Ora, o poder das chaves é conferido quando o é a ordem. Logo, não se devia fazer menção do juiz eclesiástico na definição do poder das chaves.
3. Demais. ─ Ao que temos por nós mesmos não havemos necessidade de nenhum poder ativo para nos mover ao ato. Ora, só pelo fato de sermos dignos, já somos admitidos no Reino. Logo, não pertence ao poder das chaves admitir no Reino os dignos dele.
4. Demais. ─ Os pecadores são indignos do Reino. Ora, a Igreja ora pelos pecadores, a fim de alcançarem o Reino. Logo, longe de excluir os indignos, os admite, na medida do possível.
5. Demais. ─ Em todos os agentes ordenados, o último fim é o do agente principal, não o do agente instrumental. Ora, o agente principal na salvação do homem é Deus. Logo, a ele pertence admitir no Reino, que é o fim último: e não a quem tem o poder das chaves, que é como o instrumento ou ministro.
SOLUÇÃO. ─ Segundo o Filósofo, as potências se definem pelos atos. Ora, sendo o poder das chaves uma potência, há de definir-se pelo seu uso ou ato; e há de pelo ato ser expresso o seu objeto, pelo qual o ato se especifica, e o modo de agir, donde resulta a potência ordenada. Ora, o ato da potência espiritual não é abrir o céu, absolutamente falando, que já está aberto, como dissemos; mas abri-lo a uma determinada pessoa. E isso não pode fazer-se ordenadamente, senão depois de pesada a Idoneidade daquele a quem o céu deva ser aberto. Por isso, na referida definição do poder das chaves, se põe o gênero, isto é, o poder; e o sujeito do poder, isto é, o juiz eclesiástico; e o ato, isto é, excluir e receber, segundo os dois atos materiais da chave ─ abrir e fechar; e a definição toca no objeto quando diz ─ do Reino; e enfim no modo, quando se refere à ponderação de dignidade e indignidade, daqueles sobre quem se exerce o ato.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ─ Uma potência se ordena a dois fins, dos quais um é a causa do outro; assim o calor do fogo se ordena a aquecer e a dissolver. E como toda graça e todo perdão, num corpo místico, vêm da sua cabeça, pelo mesmo poder essencial o sacerdote pode consagrar, absolver e ligar, desde que tenha jurisdição; e esses poderes não diferem entre si senão racionalmente, enquanto comparados aos seus diversos efeitos; assim também o fogo, num ponto de vista, aquece e, em outro, liquefaz. E como o caráter da ordem sacerdotal não é senão o poder de exercer aquilo que constitui a principal finalidade dessa ordem, sustentando-se que ela é idêntica ao poder espiritual, por isso o caráter e o poder de consagrar e o poder das chaves são um mesmo poder essencialmente, mas diferem racionalmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Todo poder espiritual é dado junto com alguma consagração. Por isso o poder das chaves é dado em conjunto com a ordem. Mas a execução do poder das chaves precisa da matéria devida, que é o povo sujeito à jurisdição. Por isso, antes de ter a jurisdição, sacerdote tem o poder das chaves, embora não tenha em ato. E como esse poder se define pelo seu ato, por isso na definição dele se introduz um elemento pertinente à jurisdição.
RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Podemos ser dignos de alguma coisa de dois modos. Ou por termos o direito de a possuir: e assim, quem é digno já tem o céu aberto. Ou porque essa coisa nos é devida, por uma certa congruência. E assim, o poder das chaves concerne aos dignos de entrarem no céu, mas aos quais ele ainda não foi aberto.
RESPOSTA À QUARTA. ─ Assim como Deus não endurece o pecador infundindo-lhe a malícia, mas, não lhe conferindo a graça, assim também dizemos que o sacerdote exclui do reino dos céus, não por causar impedimento à entrada nele mas porque não remove o impedimento posto, pelo não poder remover antes de o remover Deus. Por isso pede a Deus que absolva o pecador, de modo que assim possa produzir efeito a sua absolvição.
RESPOSTA À QUINTA. ─ O ato do sacerdote não tem o Reino por objeto imediato; mas os sacramentos, pelos quais chegamos ao Reino.