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Art. 1 ─ Se deve ter a Igreja o poder das chaves.

O primeiro discute-se assim. Parece que não deve ter a Igreja o poder das chaves.
 
1. Pois, não se precisam chaves para entrar numa casa cuja porta está aberta. Ora, a Escritura diz: Olhei e vi uma porta aberta no céu, que é Cristo, o qual falando de si mesmo, disse: Eu sou a porta. Logo, para a entrada no céu não é necessário ter a Igreja o poder das chaves.
 
2. Demais. Uma chave serve para abrir e fechar. Ora, isto só Cristo o pode fazer, que abre e ninguém fecha, fecha e ninguém abre. Logo, a Igreja não tem, pelos seus ministros o poder das chaves.
 
3. Demais. A quem quer que seja fechado o céu, a esse se lhe abre o inferno; e ao contrário. Logo, quem tiver as chaves do céu terá também as do inferno. Ora, não se diz que a Igreja tem as chaves do inferno. Logo, nem as do céu.
 
Mas, em contrário, o Evangelho: Dar-te-ei as chaves do reino dos céus.
 
2. Demais. Todo dispensador deve ter as chaves daquilo que dispensa. Ora, os ministros da Igreja são os dispensa dores dos divinos mistérios, conforme o Apóstolo. Logo, devem ter as chaves.
 
SOLUÇÃO. Na ordem material chamamos chave ao instrumento com que abrimos uma porta. Ora, o reino dos céus nos foi fechado pelo pecado, tanto quanto à mácula como quanto ao reato da pena. Por isso, o poder que remove esse obstáculo se chama poder das chaves. Ora, esse poder o tem, pela sua autoridade, a Divina Trindade; donde o dizerem certos, que tem a chave da autoridade. Mas, Cristo homem, teve o poder de remover o referido obstáculo pelo mérito da paixão, poder também chamado o de abrir a porta. Por isso certos dizem que êle tem as chaves da excelência. E como dos lados de Cristo morto na cruz manaram os sacramentos, pelos quais foi a Igreja instituída, por isso nos sacramentos da Igreja permanece a eficácia da paixão. Por onde, foi conferido também aos ministros da foi a Igreja instituída, por isso nos sacramentos um certo poder de remover o referido obstáculo, não por virtude própria, mas por virtude divina e da paixão de Cristo. E esse poder se chama metaforicamente poder das chaves da Igreja, que é o do ministério das chaves.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÁO. A porta do céu está, em si mesma, sempre aberta; mas dizemos estar fechada a quem está impedido de nele entrar. Ora, o impedimento universal da natureza humana, consequente ao pecado do primeiro homem, foi removido pela paixão de Cristo. Por isso João, depois da paixão, viu aberta a porta do céu. Mas ainda até agora essa porta nos permanece fechada, por causa do pecado original contraído, ou do atual, que cometemos. Eis porque precisamos dos sacramentos e do poder das chaves da Igreja.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. O lugar citado se entende da clausura do limbo, para ninguém mais descer a ele; e da abertura do paraíso, removido o impedimento da natureza, pela sua paixão.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. As chaves do inferno, que o abrem e fecham, é o poder de conferir a graça, pela qual se nos abre o inferno, para sermos tirados do pecado, que é a porta dele; e o fecha, para não cairmos mais no pecado sustentados pela graça. Ora, o poder de conferir a graça só Deus o tem. Por isso, reservou só para si a chave do inferno. Mas, a chave do Reino é o poder de perdoar também o reato da pena, que nos impede de ai entrar. Por isso, ao homem podia ser dado, antes, a chave do Reino que a do inferno; pois não são as mesmas, como do sobredito se colhe. Pode porém um ser tirado do inferno, pela remissão da pena eterna, que nem por isso é logo introduzido no Reino, por causa do reato da pena temporal, que permanece. Ou devemos responder, como certos, que também se chama chave do inferno e do céu, porque o fato mesmo de ser uma aberta a alguém implica em ser fechada a outra; mas a denominação se tira da mais digna.

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