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Art. 6 — Se mediou alguma demora entre a criação e a queda do anjo.

O sexto discute-se assim. — Parece que mediou alguma demora entre a criação e a queda do anjo.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Tu caminhavas perfeito nos teus caminhos, desde o dia da tua criação, até que a iniqüidade se achou em ti. Mas, o andar, sendo movimento contínuo, requer certa demora. Logo, mediou alguma demora entre a criação e a queda do diabo.
 
2. Demais. — Orígenes diz que a serpente antiga não rastejou, imediatamente desde o princípio, sobre o peito e o ventre; pelo que se lhe entende o pecado. Logo, o diabo não pecou imediatamente depois do primeiro instante da sua criação.
 
3. Demais. — Poder pecar é comum ao homem e ao anjo. Ora, houve um lapso de tempo entre a formação do homem e o seu pecado. Logo, por igual razão, houve também um lapso entre a formação do diabo e o seu pecado.
 
4. Demais. — O diabo foi criado num instante e pecou em outro. Ora, entre quaisquer dois instantes, medeia um tempo. Logo, decorreu algum tempo entre a criação e a queda do diabo.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura que o diabo não permaneceu na verdade. E, como diz Agostinho, é preciso compreender esse passo no sentido que o diabo foi constituído na verdade, não permanecendo nela porém.
 
Solução. — Sobre esse assunto há dupla opinião. Mas a mais provável e consoante aos ditos dos Santos é que o diabo pecou imediatamente depois do primeiro instante da sua criação. E é necessário admiti-lo, se se estabelecer que o diabo praticou um ato de livre arbítrio, no primeiro instante da sua criação, e foi criado em graça, como antes dissemos. Pois, os anjos obtendo a beatitude por um só ato meritório, como antes ficou dito, se o diabo, criado em graça, no primeiro instante, mereceu, receberia a beatitude imediatamente após esse primeiro instante, se não tivesse imediatamente posto impedimento, pecando. Se porém se admitir que o anjo não foi criado em graça, ou que não podia praticar um ato de livre arbítrio, no primeiro instante, nada impede tenha decorrido um lapso de tempo entre a criação e a queda.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Por movimentos corporais, medidos pelo tempo, a Sagrada Escritura entende, às vezes, metaforicamente, os movimentos espirituais instantâneos; e assim, pela expressão — andar — se entende o movimento do livre-arbítrio que tende para o bem.
 
Resposta à segunda. — Orígines diz, que a serpente antiga não rastejou, imediatamente desde o princípio, sobre o peito, por causa do primeiro instante, em que não era má.
 
Resposta à terceira. — O anjo tem o livre arbítrio inflexível, depois da eleição; e portanto, seria confirmado no bem se não estivesse posto impedimento à beatitude, imediatamente depois do primeiro instante em que teve o movimento natural para o bem. O mesmo, porém, não se dando com o homem, a objeção não colhe.
 
Resposta à quarta. — É verdade que há um tempo médio entre dois instantes quaisquer, se o tempo for contínuo, como o prova Aristóteles. Mas, em relação aos anjos, que não estão sujeitos ao movimento celeste, primariamente medido pelo tempo contínuo, por tempo se entende a sucessão mesma das operações do intelecto ou também do afeto. Assim pois, se entende que nos anjos o primeiro instante corresponde à operação da mente angélica, pela qual ela se converte a si mesma pelo conhecimento vespertino; porque, no primeiro dia se comemora a tarde e não a manhã. E certamente, essa operação foi boa em todos os anjos. Mas, alguns deles converteram-se dessa operação para o louvor do Verbo, pelo conhecimento matutino; outros, porém, permanecendo em si mesmos, fizeram-se noite, intumescidos da soberba, como diz Agostinho. E assim, sendo a operação primeira comum a todos, eles se distinguiram pela segunda. E portanto, no primeiro instante, todos foram bons; no segundo, distinguiram-se os bons dos maus.

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