Quinta-feira após o domingo da Septuagésima
«E cada um receberá a sua recompensa segundo o seu trabalho» (1 Cor 3, 8)
I.
A recompensa é comum a todos, e própria à cada um.
1. — A recompensa será comum pois o mesmo será o objeto de nossa visão e de nosso gozo: Deus. "Então porás tuas delícias no Onipotente", diz Jó (22, 26) e Isaías, "Naquele dia, o Senhor dos exércitos será um diadema cintilante, uma coroa de glória para o resto do seu povo" (Is 28, 5). Por isso também lemos no Evangelho que a todos os operários da vinha foi dado um dinheiro (Mt 20).
2. — A recompensa será própria à cada um, pois cada qual verá mais claramente e gozará mais plenamente que o outro, conforme a medida que lhe for determinada. Por isso diz o Evangelho: "Na casa do meu pai há muitas moradas" (Jo 14, 2). Por isso disse o Apóstolo: « E cada um receberá a sua recompensa.»
E mostra qual é a medida da recompensa: «... segundo o seu trabalho». Com isso não quer dizer igualdade quanto à quantidade de trabalho para a recompensa, pois, conforme diz o Apóstolo, "o que presentemente é para nós uma tribulação momentânea e ligeira, produz em nós um peso eterno de uma sublime e incomparável glória" (2 Cor 4, 17); mas quer dizer igualdade de proporção, no sentido de que, quanto maior o trabalho, maior será nossa recompensa.
II.
Mas, há três modos de compreender "maior trabalho":
1. Segundo a caridade, que é sua forma, e à qual corresponde a essência da recompensa, i. é, a visão e o gozo de Deus. Lê-se no Evangelho segundo São João, "aquele que me ama, será amado por meu Pai, e eu o amarei também e me manifestarei a ele" (Jo 14, 21). Donde quem trabalha com maior caridade, ainda que seu trabalho seja menor quanto à quantidade, mais receberá da essência do prêmio.
2. Segundo a espécie da obra. Nos afazeres humanos, é melhor recompensado quem executa o trabalho mais digno: assim, o arquiteto recebe melhor que o operário, apesar de ter menos serviço braçal. O mesmo ocorre nas coisas de Deus: quem se ocupa das tarefas mais nobres, melhor recompensado será quanto a alguma prerrogativa da glória acidental, ainda que tenha muito menos trabalho corporal. Por isso, a auréola é dada aos doutores, virgens e mártires.
3. Segundo a quantidade de trabalho, e isso de duas maneiras:
a) Por vezes, um trabalho maior merece uma recompensa maior, sobretudo quanto à remissão da pena; por exemplo, os jejuns mais longos, as peregrinações mais longas... A recompensa também é maior quanto à alegria sentida pelo grande trabalho.
b) Por vezes, o trabalho é maior por falta de vontade. O que fazemos com gosto, nos parece menos trabalhoso. Ora, tal quantidade de trabalho não aumenta, mas diminui a recompensa. É nesse sentido que disse Isaías: "Os que esperam no Senhor adquirem sempre novas forças, terão asas como de águia, correrão e não se fatigarão, andarão e não desfalecerão" (Is 40, 31). E pouco antes diz: "Os adolescentes cansam-se, fatigam-se, os jovens vacilam".
In I Cor., 3
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae. Trad.: Permanência)