Terça-feira após o domingo da Septuagésima
«E, adiantando-se um pouco, prostrou-se com o rosto em terra,
orando e dizendo: Meu Pai... » (Mt 26, 39)
I. Aqui se verifica as três condições da oração:
1. A solicitude, significada por estas palavras: "adiantando-se um pouco", pois Cristo afasta-se mesmo daqueles que elegera, conforme aquilo do Evangelho: "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, ora a teu Pai em segredo" (Mt 6, 6). Observe, contudo, que Nosso Senhor adianta-se "um pouco", e não muito, para nos ensinar que Ele jamais está longe dos que o invocam; também para que os Apóstolos, vendo-o rezar, aprendam com o exemplo.
2. A humildade, significada por estas palavras: "prostrou-se com o rosto em terra". Cristo dá exemplo de humildade, primeiro porque necessária à oração, segundo por causa da presunção de são Pedro, que pouco antes dissera: "Ainda que eu tenha de morrer contigo, não te negarei" (Mt 26, 35). Nosso Senhor se prostra como que para dizer a são Pedro que não deveria confiar demais em si.
3. A devoção, significada por estas palavras: "Meu pai". É certamente necessário, ao que reza, que o faça com devoção. Diz "Meu Pai", pois é o próprio Filho, singularmente; nós, porém, somos filhos por adoção.
In Matth., 26
«... se é possível, passe de mim este cálice; todavia não se faça como eu quero,
mas sim como tu queres» (Mt 26, 39)
II. Aqui se trata do conteúdo da oração. Cristo rezou conforme sua natureza sensível, quando sua oração, como um advogado, exprimia os desejos desta. E Cristo o fez para nos instruir acerca de três coisas:
1. Para demonstrar que havia assumido uma natureza humana verdadeira, com todas suas inclinações naturais;
2. Para mostrar-nos que é lícito ao homem, segundo seus sentimentos naturais, querer algo que Deus não quer;
3. Para provar que o homem deve subordinar seus próprios desejos à vontade divina. Por isso, diz Agostinho: "Cristo, comportando-se como homem, manifestou sua vontade humana particular ao dizer: passe de mim este cálice (Mt 26, 39). Era uma vontade humana, um desejo próprio e como que privado. Mas, porque quer ser um homem reto e dirigir-se a Deus, acrescenta: "todavia não se faça como eu quero, mas sim como tu queres" (Mt 26, 39)"
IIIa pars q. 21, a. 2
E nisso nos mostra que devemos ordenar nossos sentimentos de tal sorte que não estejam em desacordo com a regra divina. Não é, portanto, um mal que tenhamos horror daquilo que é custoso à natureza, desde que permaneçamos na ordem da divina vontade.
Cristo possuía duas vontades: uma, que tinha do Pai, enquanto Deus; outra enquanto homem; e esta, submetia em tudo ao Pai, dando-nos assim um exemplo de submissão de nossa vontade à do Pai, conforme aquilo de são João: "Porque eu desci do céu, não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou" (Jo 6, 38)
In Matth., 26
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)