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Art. 2 — Se toda lei feita pelos homens é derivada da lei natural.

(III Cont. Gent., cap. CXXIII; III Sent., dist. XXXVII, a. 3; IV, dist. XV, q. 3, a. 1, qª 4; a. 2, qª 1; V Ehtic., lect. XII).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que nem toda lei feita pelos homens é derivada da lei natural.
 
1. — Pois, diz o Filósofo: Ao justo legal é inicialmente indiferente vir a ser de um ou de outro modo. Ora, tal indiferença não existe no que depende da lei natural. Logo, nem tudo o que é estabelecido pelas leis humanas deriva da lei natural.
 
2. Demais. — O direito positivo divide-se, por oposição, do direito natural, como se vê claramente em Isidoro, e no Filósofo. Ora, o que deriva dos princípios comuns da lei natural, como conclusão, pertence à lei natural, como já se disse (Q. 94, a. 4). Logo, o que é de lei humana não deriva da lei natural.
 
3. Demais. — A lei da natureza é a mesma para todos; pois, no dizer do Filósofo, o justo natural tem em toda parte o mesmo vigor. Ora, se as leis humanas derivassem da lei natural, tam­bém haveriam de ser as mesmas para todos, o que é evidentemente falso.
 
4. Demais. — Ao que deriva da lei natural pode-se assinalar uma razão. Ora, nem de tudo o que foi estatuído pelas leis dos antepassados pode-se dar razão, como diz o jurisperito. Logo, nem todas as leis humanas derivam da lei natural.
 
Mas em contrário, diz Túlio: O temor das leis e a religião sancionaram o que, derivado da natureza, foi sancionado pelo costume.
 
Solução. — Como diz Agostinho, não é considerado lei o que não for justo. Por onde, uma disposição é justa na medida em que tem a vir­tude da lei. Ora, na ordem das coisas humanas, chama-se justo ao que é reto segundo a regra da razão. E como da razão a primeira regra é a lei da natureza, conforme do sobredito resulta (q. 91, a. 2 ad 2), toda lei estabelecida pelo homem tem natureza de lei na medida em que deriva da lei da natu­reza. Se, pois, discordar em alguma coisa, da lei natural, já não será lei, mas corrupção dela.
 
Deve-se, porém, saber que, de dois modos pode ser a derivação da lei natural; como con­clusões derivadas dos princípios, ou como deter­minações de certos princípios gerais. Ora, o primeiro modo é semelhante ao porque, nas ciên­cias, derivam-se, dos princípios, conclusões de­monstrativas. O segundo é semelhante ao que se dá com as artes, em que formas gerais se deter­minam em algo de especial. Assim, o artífice há de necessariamente determinar a forma geral, de modo a constituir a figura de uma casa. Por onde, certas disposições derivam dos princípios gerais da lei da natureza, a modo de conclusões; assim, o dever de não matar pode derivar, como conclusão, do princípio que a ninguém se deve fazer mal. Outras disposições derivam por de­terminação; assim, a lei da natureza estatui que quem peca seja punido; mas a pena com que deve sê-lo é uma determinação da lei da natureza.
 
Ora, ambos estes modos se encontram nas leis estabelecidas pelo homem. Porém, as dis­posições pertencentes ao primeiro modo estão contidas na lei humana, não só como estabele­cidas por ela, mas também por elas receberem, da lei natural, algo do seu vigor. Ao passo que as disposições pertencentes ao segundo modo hau­rem o seu vigor só na lei humana.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O Filósofo se refere nesse lugar às disposições de lei, por uma certa determinação ou especifica­ção dos preceitos da lei da natureza.
 
Resposta à segunda. — A objeção colhe quanto ao que deriva da lei da natureza como conclusão.
 
Resposta à terceira. — Os princípios ge­rais da lei da natureza não podem ser aplicados a todos do mesmo modo, por causa da múltipla variedade das coisas humanas. E daí provém a diversidade das leis positivas dos diversos povos.
 
Resposta à quarta. — A expressão do jurisperito deve ser entendida das disposições estabelecidas pelos antepassados e que versam sobre determinações particulares da lei natural. E a essas determinações se referem, como a uns princípios, o juízo dos peritos e dos prudentes, que logo vêm, assim, o que seja mais congruente determinar num caso particular. E por isso o Filósofo diz: em tais casos, é preciso atender ao juízo dos peritos, dos anciães ou dos prudentes, embora manifestado por enunciados e opiniões indemonstráveis, não menos que se fossem demonstrações.

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