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O Amor desregrado de si mesmo.

2 de agosto
 
"Aquele que ama a iniqüidade, aborrece a sua alma" (Sl 10, 6)
    
I. ― Diz-se que o homem é algo pelo que há nele de principal; ora, o que há de principal no homem é o espírito racional, sendo secundária a natureza sensitiva e corpórea. E desses dois elementos o Apóstolo (2 Cor 4, 16) chama ao primeiro homem interior, e ao segundo, homem exterior. Ora, os bons consideram como o que têm de principal a natureza racional, ou, o homem interior; e assim julgando, consideram-se como o que verdadeiramente são. Os maus porém julgam ter como elemento principal a natureza sensitiva e corpórea, i. é, o homem exterior. Por onde, não se conhecendo bem a si mesmos, a si mesmos não se amam verdadeiramente, mas, amam-se pelo que julgam ser.

II. ― Ao contrário, os bons, conhecendo-se verdadeiramente a si mesmos, verdadeiramente a si mesmos se amam. E isto o Filósofo prova pelos cinco elementos próprios à amizade. Pois e primeiramente, cada amigo quer que o amigo exista e viva; segundo, quer-lhe bens; terceiro, faz-lhe bens; quarto, tem prazer em conviver com ele; quinto, concorda com ele, alegrando-se e entristecendo-se ambos com as mesmas coisas. E assim sendo, os bons amam-se a si mesmos, no concernente ao homem interior, por quererem conservá-lo na sua integridade. E lhe desejam os bens próprios dele, que são os espirituais; e também se esforçam para que os consiga. E têm prazer em se concentrar no seu espírito porque nele encontram os bons pensamentos, no presente; a memória dos bens passados e a esperança dos futuros, que lhes é causa de prazer. Semelhantemente, não padecem dissensão na vontade, por toda a alma deles tender para a unidade.
 
III. ― Ao contrário, os maus não querem conservar a integridade do homem interior; nem lhe desejam os bens espirituais; nem se esforçam por tal; nem têm prazer em conviver consigo mesmos, concentrando-se no seu espírito, porque nele encontram males presentes, passados e futuros, que aborrecem. Nem vivem em concórdia consigo mesmos, por causa da consciência que os remorde, conforme aquilo da Escritura (Sl 49, 21): Argui-te-ei e to porei diante da tua cara. E pela mesma razão pode-se provar que os maus se amam a si mesmos no concernente à corrupção do homem exterior. Não é assim que os bons se amam a si mesmos.
 
O amor de si, que é o princípio do pecado, é próprio dos maus e chega até o desprezo de Deus, porque os maus amam os bens externos a ponto de desprezarem os espirituais.
     
(IIa IIae. q. XXV, a. VII) 
     
         
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

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