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O Desespero

1o. de agosto
    
I. ― A infidelidade consiste em não crermos na verdade divina; o ódio de Deus em a nossa vontade contrariar a mesma divina bondade; o desespero, enfim, em não esperarmos participar da bondade de Deus. Por onde, como é claro, a infidelidade e o ódio de Deus se opõem a Deus em si mesmo considerado; o desespero, porém, enquanto a sua bondade é participada por nós. Portanto, maior pecado, absolutamente falando, é não crer na verdade de Deus, ou odiá-lo, do que não esperar alcançar dele a glória.

Comparando, porém, o desespero com os outros dois pecados, relativamente a nós, então o desespero é o mais perigoso. Pois, pela esperança evitamos o mal e somos levados a buscar o bem. Por onde, desaparecida ela, caímos desenfreiadamente nos vícios e abandonamos todas as boas obras. Por isso, àquilo da Escritura (Pr 24, 10): Se tu perdes a esperança, descorçoado no dia da angústia, será minguada a tua fortaleza. Diz a Glosa: Nada há de mais execrável que o desespero, pois a presa dele perde a constância, tanto nos trabalhos desta vida, como, o que é pior, nos combates da fé. E Isidoro diz: Perpetrar um crime é a morte da alma; mas desesperar é descer ao inferno.
  
II. ― De dois modos podemos perder a esperança de obter a felicidade: ou pela não reputarmos um bem difícil, ou pela não reputarmos possível de alcançar, quer por nós mesmos, quer por outrem.
 
Ora, se os bens espirituais não os apreciamos como tais, ou se não nos parecem grandes bens, é por a isso nos levar o nosso afeto contaminado pelo amor dos prazeres corpóreos, entre os quais ocupam o primeiro lugar os venéreos. Pois, o afeto por esses prazeres faz-nos aborrecer os bens espirituais e não esperá-los, como bens difíceis de alcançar. E a esta luz, o desespero é causado pela luxúria.
 
Ora, o não esperar o homem que lhe seja um bem difícil possível de alcançar, quer por si, quer por outrem, vem da nímia depressão, que, quando lhe domina o afeto, faz-lhe parecer que nunca jamais possa elevar-se na prática do bem. Por isso a acédia, sendo uma tristeza, que abate o espírito, produz o desespero.
 
Em verdade, a esperança nasce da consideração dos benefícios divinos, e, sobretudo, da consideração da Encarnação. Mas, a negligência mesma em considerar os benefícios divinos nasce da acédia. Pois o homem, dominado pela paixão pensa principalmente no que lhe a ela diz respeito. Por isso quem é tomado da tristeza não pensa facilmente em nada de grande e belo, senão só em coisas tristes salvo se, com grande esforço, livrar-se dela.
     
(IIa IIae. q. XX, a. III e IV) 
     
         
(P. D. Mézard, O. P., Meditationes ex Operibus S. Thomae.)

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