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Art. 6 — Se os dons do Espírito Santo permanecem na pátria.

(III Sent., dist. XXXIV. a. 3).
 
O sexto discute-se assim. — Parece que os dons do Espírito Santo não permanecem na pátria.
 
1. — Pois como diz Gregório, o Espírito Santo inspira a mente com os sete dons, contra todas as tentações1. Ora, na pátria não haverá tentações, conforme aquilo da Escritura (Is 11, 9): Eles não farão dano algum, nem matarão em todo o meu santo monte. Logo, na pátria não haverá dons do Espírito Santo.
 
2. Demais. — Os dons do Espírito Santo são hábitos, como já se disse2. Ora, os hábitos seriam vãos sem a existência dos atos; pois, diz Gregório: o intelecto faz-nos penetrar o que ouvimos, o conselho impede a precipitação, a fortaleza faz-nos não temer a adversidade, e a piedade enche até as vísceras do coração com obras de misericórdia3. Ora, tudo isto não convém ao estado da pátria. Logo, no estado da glória não existirão tais dons.
 
3. Demais. — Certos dons, como a sabedoria e o intelecto, aperfeiçoam o homem, na vida contemplativa; outros, como a piedade e a fortaleza, na vida ativa. Ora, esta última se nos acaba com esta vida, como diz Gregório4. Logo, no estado da glória, não existirão todos os dons do Espírito Santo.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: A cidade de Deus ou a Jerusalém celeste não será banhada pelo percurso de nenhum rio terrestre; mas, o Espírito Santo, procedente da fonte da vida, de que nós nos saciamos com um breve hausto, afluirá mais abundante aos espíritos celestes, com uma correnteza plena e intumescida pelas sete virtudes espirituais5.
 
SOLUÇÃO. — Podemos considerar os dons à dupla luz. Quanto à essência, e então existirão perfeitíssimamente na pátria, como está claro no lugar aduzido de Ambrósio. E a razão é que os dons do Espírito Santo aperfeiçoam a mente humana para lhe seguir a moção, o que se dará principalmente na pátria, quando Deus for tudo em todos, como diz a Escritura (1 Cor 15, 28), e quando o homem estiver totalmente sujeito a Deus. De outro modo, quanto à matéria sobre a qual operam; e então, na vida atual, operam sobre uma matéria sobre a qual não operarão, no estado da glória. E portanto não permanecerão na pátria, como já dissemos a propósito das virtudes cardeais6.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — No lugar aduzido, Gregório se refere aos dons próprios do estado presente, que nos protegem contra o ataque dos males. Mas, no estado da glória, cessados os males, seremos aperfeiçoados no bem pelos dons do Espírito Santo.
 
Resposta à segunda. — Gregório atribui, a cada um dos dons algo que passa com o estado presente, e algo que permanece na vida futura. Pois, diz, que a sabedoria fortifica a mente na esperança e na certeza das coisas eternas, e desses dois, a esperança passa, mas a certeza permanece. Do intelecto diz que, penetrando as coisas ouvidas, e fortificando o coração ilumina-lhe as trevas; ora, o que é ouvido passa porque, no dizer da Escritura (Jr 31, 34), não ensinará varão ao seu irmão; mas, a iluminação da mente permanecerá. Do conselho diz, que impede a precipitação, o que é necessário à vida presente; e, demais, que faz a alma abundar na razão, o que é necessário também na vida futura. Da fortaleza, que não teme as adversidades, o que é necessário na vida presente; e, demais, que alimenta a confiança, que permanece na vida futura. Da ciência só diz que elimina o jejum da ignorância, o que pertence ao estado presente; mas, o que acrescenta no ventre da mente pode-se entender, figuradamente, da plenitude do conhecimento, pertencente também ao estado futuro. Da piedade, que enche as vísceras do coração com as obras de misericórdia, o que, literalmente entendido, pertence só ao estado da vida presente; mas o mesmo afeto íntimo dos próximos, designado pela expressão vísceras, pertence também ao estado futuro, em que a piedade não exibirá as obras de misericórdia, mas o afeto congratulatório. Do temor, que reprime a mente para que não se ensoberbeça com as coisas presentes, o que pertence ao estado atual; e que conforta com o alimento da esperança, para as coisas futuras, o que pertence, quanto à esperança, ao estado presente; mas pode também pertencer ao estado futuro, quanto ao conforto relativo ao que aqui esperamos e lá obteremos.
 
Resposta à terceira. — A objeção colhe quanto à matéria dos dons. Pois as obras da vida ativa não constituirão a matéria deles. Mas os atos de todas versarão sobre a vida contemplativa, que é a vida feliz.

  1. 1. II Moral. (cap. XLIX).
  2. 2. Q. 68, a. 3.
  3. 3. I Moral. (cap. XXXII).
  4. 4. VI Moral. (cap. XXXVI).
  5. 5. I De Spiritu Sancto (cap. XVI).
  6. 6. Q. 67, a. 1.
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