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Art. 4 — Se a virtude moral pode existir sem a intelectual.

(Infra, q. 65, a. 1; De Virtut., q. 5, a. 2; Quodl. XII, q. 15, a. 1; VI Ethic., lect. X, XI).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a virtude moral pode existir sem a intelectual.
 
1. — Pois, a virtude moral, como diz Túlio, é um hábito a modo de natureza, consentâneo com a razão1. Ora, não é necessário a razão da natureza existir em todos os seres, só porque a natureza é consentânea com uma razão movente superior, como bem o deixam ver os seres naturais privados de razão. Logo, pode haver em nós uma virtude moral, a modo de natureza, que nos incline a nos submeter à razão, embora esta não seja perfeita pela virtude intelectual.
 
2. Demais. — Pela virtude intelectual conseguimos o uso perfeito da razão. Ora, dá-se às vezes que certos, em que não impera o uso da razão, são virtuosos e amados de Deus. Logo, a virtude moral pode existir sem a intelectual.
 
3. Demais. — A virtude moral nos inclina a agir retamente. Ora, muitos têm tal inclinação, mesmo sem o juízo da razão. Logo, as virtudes morais podem existir sem as intelectuais.
 
Mas, em contrário, diz Gregório, que as outras virtudes não podem de nenhum modo ser tais, sem que pratiquem prudentemente o que desejam2. Ora, a prudência é uma virtude intelectual, como já se disse3. Logo, as virtudes morais não podem existir sem as intelectuais.
 
SOLUÇÃO. — Não há dúvida que as virtudes morais podem existir sem certas virtudes intelectuais, como a sabedoria, a ciência e a arte; não o podem porém sem o intelecto e a prudência. Assim, não podem existir sem a prudência, por ser a virtude moral um hábito eletivo, i. é, que torna boa a eleição. Ora, para esta ser boa se exigem duas condições. A primeira é haver a devida intenção do fim; e isto se dá pela virtude moral, que inclina a potência apetitiva ao bem conveniente com a razão, que é o fim devido. A segunda é que nos sirvamos retamente dos meios, o que se não pode dar senão pela razão, que aconselha retamente, no julgar e no ordenar, o que pertence à prudência e às virtudes anexas, como já dissemos4. Por onde, a virtude moral não pode existir sem a prudência. E por conseqüência, sem o intelecto. Pois, por este é que conhecemos os princípios evidentes, tanto na ordem especulativa como na operativa. Por onde, assim como a razão reta, na ordem especulativa, enquanto procede de princípios naturalmente conhecidos, pressupõe o intelecto dos princípios, assim também a prudência, que é a razão reta dos atos.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A inclinação da natureza, nos seres privados de razão, não inclui a eleição, e portanto essa inclinação não é necessariamente racional. Ao passo que a inclinação da virtude moral é eletiva e, portanto, necessita, para ser perfeita, que a razão o seja, por meio da virtude intelectual.
 
Resposta à segunda. — Não é necessário, no homem virtuoso, o uso da razão imperar em universal, mas só em relação ao que ele deve praticar virtuosamente. E assim o uso da razão impera em todas as pessoas virtuosas. Por onde, mesmo aqueles que parecem simples, por destituídos da astúcia mundana, podem ser prudentes, conforme aquilo da Escritura (Mt 10, 16): Sede prudentes como as serpentes, e simples como as pombas.
 
Resposta à terceira. — A inclinação natural para o bem da virtude é um certo começo desta, embora não seja virtude perfeita. Pois, quanto mais perfeita essa inclinação, tanto mais perigosa pode ser, se não se lhe acrescentar a razão reta, pela qual se faz a reta eleição dos meios convenientes ao fim devido; assim como um cavalo cego, que corre, tanto mais dará encontrões e se ferirá, quanto mais impetuosamente correr. E portanto, embora a virtude moral não seja a razão reta, como dizia Sócrates, também não é somente segundo a razão reta, no sentido em que inclina para o que é conforme a essa razão, como ensinavam os Platônicos5; mas também é necessário seja acompanhada da razão reta, segundo Aristóteles dizia6.

  1. 1. II De invent., cap. LIII.
  2. 2. XXII Moral. (cap. I).
  3. 3. Q. 58, a. 3, ad 1; q. 57, a. 5.
  4. 4. Q. 57, a. 5, 6.
  5. 5. Cf. Platon, Menon., cap. XLI.
  6. 6. VI Ethic. (lect. XI).
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