(III. Sent., dist. XXIII, q. 1, a . 1).
O primeiro discute-se assim. — Parece que o corpo não é susceptível de nenhum hábito.
1. — Pois, como diz o Comentador, o hábito é que nos leva a agir quando quisermos. Ora, as ações corpóreas, sendo naturais, não estão sujeitas à vontade. Logo, o corpo não é susceptível de nenhum hábito.
2. Demais — Todas as disposições corpóreas são facilmente mutáveis. Ora, o hábito é uma qualidade que se muda dificilmente. Logo, nenhuma disposição corpórea pode ser hábito.
3. Demais — Todas as disposições corpóreas estão sujeitas à alteração. Ora, esta pertence à terceira espécie de qualidade, que, na divisão, se opõe ao hábito. Logo, o corpo não é susceptível de nenhum hábito.
Mas, em contrário, diz o Filósofo que se chama hábito à saúde do corpo ou a uma doença incurável.
SOLUÇÃO. — Como já dissemos, o hábito é uma certa disposição de um sujeito potencial em relação a uma forma ou a uma operação.
Por onde, enquanto implica disposição para a operação, nenhum hábito existe, principalmente, no corpo como sujeito. Pois, toda operação do corpo ou provêm de uma qualidade natural do mesmo, ou da alma que o move. Portanto, o corpo não fica disposto, por nenhum hábito, às operações procedentes da natureza, pois, as virtudes naturais são determinadas a um só termo; pois, como já dissemos, a disposição habitual é necessária quando o sujeito é potencial em relação a muitos termos. As operações porém que procedem da alma, por meio do corpo, pertencem, por certo, principalmente, à alma mesma, mas, secundariamente, ao corpo. Ora, os hábitos proporcionam-se às operações, sendo por isso que atos semelhantes causam hábitos semelhantes, como diz Aristóteles. E portanto as disposições para tais operações existem, principalmente, na alma. Podem porém existir no corpo, secundariamente, enquanto este fica disposto e habilitado a servir prontamente às operações da alma.
Se porém considerarmos a disposição do sujeito em relação à forma, então pode existir uma disposição habitual no corpo, que está para a alma como o sujeito para a forma. E deste modo, a saúde, a beleza e atribuições semelhantes chamam-se disposições habituais, embora não realizem perfeitamente a noção de hábito, porque as suas causas por natureza são facilmente mutáveis.
Alexandre, entretanto, como o refere Simplício, era de doutrina que um hábito ou disposição da primeira espécie de nenhum modo pode existir no corpo, e dizia que a primeira espécie de qualidade pertence somente à alma. E o que Aristóteles diz, sobre a saúde e a doença é a título de exemplo e não que pertençam essas disposições à primeira espécie de qualidade, de modo que o sentido do seu pensamento é — assim como a doença e a saúde podem mudar-se fácil ou dificilmente, assim também as qualidades da primeira espécie a que se dá o nome de hábito e disposição. Ora, isto vai claramente contra a intenção de Aristóteles, quer porque usa do mesmo modo de falar, dando como exemplos à saúde, a doença, a virtude e a ciência; quer porque coloca expressamente, entre os hábitos, a beleza e a saúde.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A objeção é procedente quanto ao hábito como disposição a agir; e quanto aos atos do corpo procedentes da natureza, mas não, dos que procedem da alma, cujo princípio é à vontade.
RESPOSTA À SEGUNDA. — As disposições corpóreas não são em si mesmas dificilmente mutáveis, por causa da mutabilidade das causas corpóreas. Podem sê-lo porém por comparação com um determinado sujeito, isto é, por não poderem ser removidas desse sujeito, durante a sua existência; ou por comparação com outras disposições. Ao passo que as qualidades da alma são em si mesmas dificilmente mutáveis por causa da imobilidade do sujeito. E por isso Aristóteles não diz que a saúde, quando dificilmente mutável, seja em si mesma um hábito, mas que é como um hábito, segundo está no texto grego. As qualidades da alma porém consideram-se, em si mesmas, hábitos.
RESPOSTA À TERCEIRA. — As disposições corpóreas pertencentes à primeira espécie de qualidade, como certos disseram, diferem das qualidades da terceira espécie em que estas estão como em vir-a-ser e em movimento, sendo por isso chamadas paixões ou qualidades passíveis; quando, porém chegarem à perfeição, i. é, quase à espécie, então já pertencem à primeira espécie de qualidade. — Mas, contra isto se insurge Simplício, porque, deste modo, a calefação pertenceria à terceira espécie de qualidade, ao passo que o calor, à primeira; ora, Aristóteles coloca o calor na terceira.
Donde o dizer Porfírio, como Simplício o refere no lugar citado, que a paixão ou a qualidade passível, e a disposição e o hábito diferem, nos corpos, pela intensidade e pela remissão. Assim, quando um corpo recebe a calidez mas só porque é aquecido, sem poder aquecer, nele existe então a paixão, se for transitória, ou a qualidade passível se for permanente. Quando porém adquire também o poder de aquecer outros corpos, possui uma disposição. Se além disso essa disposição se firmar de tal modo que venha a ser dificilmente mutável, ela se transformará em hábito. De maneira que a disposição é uma certa intensidade ou perfeição da paixão ou da qualidade passível; ao passo que o hábito o é, da disposição. — Mas isto não é admitido por Simplício, porque essa intensidade a remissão não implicam diversidade por parte da forma em si mesma, mas pela diversa participação do sujeito; por onde, desse modo, não se poderiam diversificar as espécies de qualidade.
E portanto devemos dizer, de outro modo, que, como já o demonstramos, a comensuração das qualidades passíveis em si mesmas, relativamente à conveniência com a natureza, implica a noção de disposição. Por onde, alterando-se o calor e o frio, a unidade e a secura, que são qualidades passíveis, resulta conseqüentemente, a alteração relativamente à doença e à saúde. Mas, primariamente e por si, não há alteração relativamente a tais hábitos e disposições.