O primeiro discute-se assim. — Parece que a ira não causa o prazer.
1. — Pois, a tristeza exclui o prazer. Ora, a ira vai sempre acompanhada da tristeza, porque, como diz Aristóteles, quem age levado pela ira o faz com pena. Logo, a ira não causa o prazer.
2. Demais — Como diz o Filósofo, a punição acalma o ímpeto da ira, substituindo a alegria pela tristeza; donde podemos deduzir que o prazer do irado lhe advém da punição. Ora, esta exclui a ira. Logo, a presença do prazer elimina a ira, e portanto não é um efeito acompanhado de prazer.
3. Demais — Nenhum efeito impede a sua causa, porque lhe é conforme com ela. Ora, os prazeres impedem a ira, como diz Aristóteles. Logo, o prazer não é efeito da ira.
Mas, em contrário, o Filósofo cita o provérbio seguinte: a ira, muito mais doce que o mel, que corre com limpidez, se entumesce no peito dos homens.
Solução. — Como diz o Filósofo, os prazeres mais sensíveis e mais corpóreos são remédios contra o sofrimento; por onde, quando recorremos ao prazer como remédio contra um grande sofrimento ou ansiedade, tanto mais o sentimos; assim, na sede a água se nos torna mais agradável. Ora, é manifesto, pelo sobredito que o movimento da ira surge em nós provocado por alguma injúria a nós feita e que nos penaliza, sendo então a vindicta o remédio contra essa pena. Por isso, da vingança presente resulta o prazer e tanto maior quanto maior for a ofensa. — Por onde, se a vindicta se realizar, o prazer, que exclui totalmente o sofrimento, torna-se completo e assim acalma o movimento da ira. Mas antes de ser a vingança uma realidade atual, já ela se torna presente ao irado de dois modos: pela esperança, porque ninguém se ira que não espere a vindicta, como já dissemos; ou pelo pensamento continuado, pois é-nos deleitável demorar no pensamento daquilo que desejamos; isso explica nos sejam agradáveis mesmo às imaginações do sonho. Por isso o irado se deleita revolvendo continuamente no ânimo o pensamento da vingança. Contudo, não é um prazer perfeito que elimina o sofrimento, e por conseguinte a ira.
Donde a resposta à primeira objeção. — O irado não sofre e alegra com um mesmo objeto; mas sofre com a injúria e goza com a vingança planejada e esperada. Por onde, o sofrimento está para a ira como um princípio; o prazer porém, como efeito ou termo.
Resposta à segunda. — A objeção procede quanto ao prazer causado pela realização da vingança, que exclui totalmente a ira.
Resposta à terceira. — O prazer precedente exclui o sofrimento e por conseguinte, a ira. Porém o prazer da vindicta é consecutivo à ira.